Coerência da vida

Por João Alves Dias

Em 10 de outubro, a VP publicou um texto do P. João Pedro Bizarro, presbítero do Porto a estudar em Roma. Falava do encontro do “Santo Padre e dos Padres Sinodais” com os jovens. Depois de transcrever palavras do Papa, com relevo para a “coerência da vida”, diz: “Ao escutar estas palavras, de imediato veio-me à mente a questão dos trajes eclesiásticos. Na nossa Diocese, e por todo o país está voltar a moda do traje eclesiástico e o gosto pelas «rendas» ”. Questiona se é “sinal de serviço” ou de “distanciamento”. E faz votos “para que seja verdadeiro serviço, pois não é a roupa que enforma o coração, mas pode ser um sinal do que nos vai no coração”.

Na “Semana dos Seminários”, reli um texto da revista “Ensaios” dos alunos do Seminário Maior do Porto (in Manuel Álvaro de Madureira – in memoriam). Diz:

“Intacto o núcleo dogmático, são pois, de admitir múltiplas variações. Nem tudo é dogma.(…) Não falo de abusos de âmbito restrito. (…) Entre as tendências bastantes comuns, há o literalismo, o fanatismo e o sacralismo. O literalismo leva à interpretação grosseira da doutrina. O arcaísmo pretende transformar os seres vivos em fósseis.

Quando perguntaram a S. Vicente de Paulo qual o hábito que deviam usar as irmãs de Caridade, respondeu que – porquanto geralmente eram filhas do povo, sobretudo bretãs – usassem o das mulheres do povo, nomeadamente da Bretanha. Queria claramente dizer que vestissem como as outras mulheres. Mas entenderam que não. E, assim, não só na Bretanha, como no resto da França e fora dela, aí andam as boas irmãs, passados séculos, com aqueles chapéus ou toucas extravagantes a chamar a atenção dos transeuntes para um pormenor «folclórico», absolutamente descabido e alheio ao espírito desse inesquecível Fundador.

Os hábitos talares, eclesiásticos ou religiosos, são sobrevivências fósseis de séculos recuados, algumas tão antigas que derivam do mundo judaico ou greco-romano. Que pensou Jesus do vestuário? Como vestiu? Não seguiu os costumes dos homens do seu tempo? Não fizeram o mesmo os apóstolos?

O literalismo, o arcaísmo e a tendência sacralizante operaram esta evolução. Inicialmente, letra e significação; seguidamente, letra sem significação; mais tarde, o passado pelo passado; finalmente, sacralização desse passado.”

Este texto foi escrito, em 1964, pelo Dr. Madureira, então presidente do Conselho dos Professores de Teologia, e mais tarde, primeiro diretor da Voz Portucalense.

No dia 31 de outubro passado, D. António Augusto Azevedo disse: “Os seminários deverão formar padres que sejam discípulos missionários enamorados do Mestre que vivam no meio do mundo na simplicidade, na sobriedade e na autenticidade” (VP, 7/11/2018).

Recordo aquela pequenina que, quando, da sua janela, via o sacerdote, seu vizinho, a passar, chamava: – Ó Jesus da Igreja!