Brexit: um referendo precipitado?

O recurso ao referendo é uma das expressões identificativas de qualquer sociedade democrática. Apesar disso, a sua utilização assume quase sempre um carácter excepcional, a não ser em países cuja tradição política lhe tenha conferido um estatuto de normalidade, como acontece por exemplo na Suíça, onde os cidadãos foram recentemente consultados a propósito de cortar ou não cortar os cornos às vacas.

Por António José da Silva

Foi uma história que alguma comunicação social destacou há dias com algum humor. O facto é que são histórias como esta que, sendo embora curiosas, acabam por desvalorizar a importância daqueles referendos que são verdadeiramente significativos Um desses referendos verdadeiramente significativos foi aquele que ditou o abandono da União Europeia por parte Reino Unido. A consulta teve lugar em Junho de 2016, e passou à História com o nome de “Brexit”. Esta consulta foi convocado por David Cameron, um jovem primeiro ministro britânico oriundo do partido conservador que, apesar dos seus êxitos, não resistiu à pressão dos chamados eurocépticos que, mesmo dentro do seu partido, questionavam a intensidade da ligação do deu governo à União Europeia Assim, e para acabar com as críticas e as dúvidas que ensombravam a sua liderança, Cameron decidiu então convocar um referendo sobre a permanência britânica no seio da União.

Foi uma opção arriscada, mas Cameron tomou-a. O resultado acabou com a sua promissora carreira política e abriu um precedente que pôs em causa a própria sobrevivência da União. O que acontece com os resultados da maioria dos referendos é que estes refletem geralmente reações que são mais emotivas do que racionais, fruto sobretudo de algumas circunstâncias temporais específicas. No caso concreto do Brexit, isso ficou claramente provado quando, pouco tempo depois do referendo, começou a ganhar força o movimento pela realização de uma segunda consulta popular sobre a mesma matéria.

Assim, e apesar da sua larga experiência democrática, pode dizer-se que os britânicos parecem ter esquecido pelo menos duas questões graves que a pergunta do referendo não contemplava diretamente: o problema das fronteiras entre as duas Irlandas e ainda o problema de Gibraltar, que a Espanha aproveitou para trazer de novo para o mapa da política internacional.

É certo que ambos os obstáculos foram resolvidos a tempo de permitirem a assinatura do acordo que oficializa o Brexit, mas pouca gente acredita que este não tenha sido fruto de uma decisão precipitada de David Cameron. De tal modo que a hipótese de um segundo referendo não está completamente afastada.