Cumprem-se em 18 de novembro cinco anos sobre o falecimento do escritor, dramaturgo e cronista, profissionalmente o jornalista Manuel António Pina.
Por M. Correia Fernandes
Foi uma figura do jornalismo e da criação literária da cidade do Porto, alargado a nível nacional, e tornando-se figura universal do mundo de língua portuguesa em 2011, quando foi galardoado com o Prémio Camões, o mais importante das letras portuguesas.
Projeta-se agora uma homenagem ao escritor, a recordar em três cidades: Porto, S. Paulo e Lisboa, com o tema sugestivo de “Desimaginar o mundo”.
O programa desta homenagem inicia-se com uma exposição coletiva de fotografia, subordinada ao tema “Desimaginar o mundo, descriá-lo” disponível na estação da Trindade do Metro do Porto, que abrirá no dia 16 de novembro, a partir das 18 horas. No dia 17 a exposição estará também presente no espaço Mira Forum, em Campanhã a partir das 16 horas. Outras iniciativas estão também previstas.
O Prémio Camões, que o associou a nomes como Miguel Torga, José Saramago, Vergílio Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Jorge Amado ou Eduardo Lourenço deram-lhe grande notoriedade como escritor.
Como espuma das suas obras, podem registar-se o gosto trabalhado com ironia pela dimensão lúdica da linguagem, porque gostava de jogar ou brincar infantilmente com as palavras (daí a pertinência do título dado à homenagem que agora se anuncia, “Desimaginar o mundo” ou descriar o mesmo mundo. Essa dimensão lúdica está também presente no título que ele deu à reunião das suas crónicas no Jornal de Notícias – O anacronista, que reúne a função jornalística de cronista com o conceito de anacrónico, fora do tempo: as crónicas surgem de facto fora do tempo em que foram escritas, mas dentro do tempo da atualidade em que devem ser lidas.
A sua escrita tornava-se habitualmente provocadora, incluindo a que dedicava aos livros de literatura infantil, que não eram para crianças, mas para a criança que em si deve descobrir cada adulto. Este intento pode comprovar-se no expressivo título “História do Capuchinho Vermelho contada a crianças e nem por isso”, o qual intento traduzia também em títulos como este, de uma portentosa imaginação: “Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo – Calma É Apenas Um Pouco Tarde”, que coabita com outros títulos como o de raiz tradicional “O cavalinho de pau do Menino Jesus” ou pelo provocatório “Pequeno livro de desmatemática” (nas palavras do autor: “os personagens da matemática, os números, os sinais, as contas, são tratados como gente, têm sentimentos, sonhos, até fraquezas e defeitos, como tu e como eu”), o que certamente inspira o “desimaginar o mundo” dado a esta homenagem. Por seu lado o título «Como se Desenha uma Casa» mostra como o mundo das crianças é o melhor sinal para os adultos.
Conheci o Manuel António Pina em tertúlias de final de um dia de trabalho, que permitiam pôr em dias os dramas da sociedade, da política, do desporto, e até das atividades de âmbitos profissionais desencontrados, desde a escola ao direito e aos autores da escrita e dos jornais de cada dia. Devo-lhe palavras de reconhecimento e consideração, que guardo por entre os versos da sua escrita.
Deixo por isso alguns exemplos da linguagem recriada que envolve este poeta da prosa, que escreve poesia que, no seu próprio dizer, é tradução da “saudade da prosa”, como se escreve na sua antologia pessoa editada por Assírio e Alvim.
“Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se de mais nestes tempos (inclusive cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio que as cerca
e o silêncio que transportam”.
O que é feito de nós senão as palavras que nos fazem?
Já não é possível dizer mais nada
mas também não é possível ficar calado.
Eis o verdadeiro rosto do poema.
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem).
Calo-me quando escrevo assim as palavras
falam mais alto e mais baixo.
Nada no poema é impossível e tudo é possível.
Passagens de Manuel António Pina, “Ainda não é o fim nem o princípio calma é apenas um pouco tarde”, Ed. Assírio e Alvim.
Lugares da infância onde
sem palavras e sem memória
alguém, talvez eu, brincou
já lá não estão nem lá estou.
Talvez ele, o MAP, esteja por aqui, nos lugares dos adultos em busca das palavras da infância perdida, imersos na prosa de cada dia…