Para a memória dos cinquenta anos do Seminário do Bom Pastor

O Seminário do Bom Pastor foi um sonho de D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico com poderes de bispo residencial, na ausência forçada de D. António Ferreira Gomes.

Por D. João Miranda Teixeira

Bispo Auxiliar Emérito do Porto

Reitor do Seminário dom Bom Pastor de 1968 a 1983

Queria dar resposta aos muitos pedidos de entrada no seminário naquela época. Era o tempo pós-conciliar, década de sessenta. Era o tempo dos entusiasmos dos Cursos de Cristandade, das Equipas de Nossa Senhora, do cuidado pastoral de muitos párocos, e ainda a possibilidade de poder frequentar uma Escola por pouco dinheiro, porque então a diocese e as paróquias ajudavam financeiramente os alunos pobres, sobretudo se fossem bons estudantes.

Foi um SONHO grande, do qual só se conseguiu realizar metade, porque o projeto inicial ficou a meio. Não chegaram a construir-se os edifícios centrais: Secretarias, cozinha e refeitórios, salas de aulas e demais aposentos de uma grande instituição como aquela sonhava ser.

Tivemos de nos acomodar e adaptar, a princípio, dentro do que já estava feito: dois pavilhões completos. Os outros quatro estavam em acabamento. A cozinha e refeitórios provisórios vieram a ser definitivos por mais de década e meia, naquela época.

Mas o Seminário abriu nos primeiros dias de novembro de 1968. Estavam prontos dois pavilhões dos seis que logo a seguir terminaram obras. O nosso refeitório foi então na Casa da Quinta da Mão Poderosa, deixada à diocese para férias do Bispo, se ele assim quisesse. Mais tarde, foi morada de fim da vida de D. António Ferreira Gomes e de D. Armindo Lopes Coelho, no termo dos seus dias na terra.

D. Florentino quis primeiro experimentar um seminário com números de alunos não muito grande e por isso fez funcionar na Quinta do Paraíso da Foz o Seminário do Paraíso, assim chamado. Éramos três Padres e, se não erro, à volta de 48 alunos. O projeto do Bom Pastor teve em conta essa primeira experiência. Apesar de os seminários terem sido, durante muito tempo, ambientes fechados, com o sopro do Vaticano II, as coisas começaram a mudar.

Os melhores dias da minha vida sacerdotal foram no Seminário do Paraíso na Foz, durante três anos, e no Seminário Bom Pastor em Ermesinde, durante quinze anos. Pode parecer que tudo foi um mar de rosas. Não foi. Houve momentos tensos, erros, excessos, incompreensões. Em Ermesinde, chegámos a ser doze Padres, cerca de duzentos alunos e alguns Professores leigos contratados, muitos deles excelentes professores, e um número razoável de funcionários e funcionárias dedicados, dos quais alguns estiveram presentes na Festa do cinquentenário…

O que mais importa destacar é, para mim, em primeiro lugar, o acolhimento que o Colégio de Ermesinde me deu a mim pessoalmente, durante um mês, para preparar a entrada dos primeiros alunos, em novembro de 1968. Esses primeiros alunos, ainda hoje se chamam a si próprios “OS MENINOS DE NOVEMBRO”. Depois, o número de alunos e de anos escolares cresceram e o trabalho, dificuldades, erros também aconteceram.

Mas é preciso destacar as alegrias de tantos, crianças e jovens, Famílias e Professores, encontros, convívios, recreios e desporto, a abertura do Seminário a grupos exteriores que vinham praticar futebol nos campos de então. Era um tempo em que se entrava facilmente no largo espaço da Quinta por todos os lados. Houve o bom senso de se abrirem as portas e regulamentar os acessos e daí nunca ou raramente surgiram problemas.

Quando os alunos começaram a ter de prestar provas oficiais na Escola pública, o trabalho, o brio de professores e alunos fizeram com que os alunos do Seminário merecessem muto boas classificações e teve lugar um intercâmbio salutar com a Escola pública. Disso ainda hoje tenho recordações e contactos não acabados com professores dessa época.

Tenho de destacar a compreensão e a colaboração das Famílias que inclusivamente contribuíram para uma pequena construção que ainda lá está, creio eu, e que mereceu a anuência e o aplauso do Bispo de então, D. António Ferreira Gomes. Serviam-se café e bolos nas visitas dos Pais ao Seminário. Havia todos os anos encontros de famílias, com resultados não visíveis à primeira vista, mas reais. Chegou a fazer-se um Ciclo de Escola de Pais, nessa época em grande atividade, com diplomas para quem completasse toda a série de encontros programados. Muitas amizades se criaram nessa altura, que duraram pelos tempos fora. Hoje, a maior parte já não perduram, porque somos todos agora gente que já deu contas ao Criador ou vive as debilidades dos oitenta ou mais anos, como é o meu caso.

A EDUCAÇÃO dessa época deu um salto qualitativo, porque vínhamos de um tempo de seminário de clausura e passámos a ser seminário de abertura. Isso teve muitos benefícios, provavelmente também alguns erros, como sempre acontece nas coisas humanas.

Era tempo de muitas vocações. Tenho consciência de que não houve a correspondente ordenação de Presbíteros, mas deu-se um salto em frente que hoje precisa de ser revisto, à luz da evolução e mudanças de cinco décadas.

Faz-me pena saber que os alunos deste Seminário Menor sejam agora em tão reduzido número. Vai ser preciso ter em conta os resultados do Sínodo dos Bispos em Roma sobre os Jovens e as vocações. E vai ser preciso invocar o Espírito Santo para que nos indique os caminhos a percorrer para uma Europa que foi cristã nos seus fundamentos e hoje se afunda no materialismo e indiferentismo que são obra do Diabo. A Esperança não pode morrer no coração dos bispos, sacerdotes e leigos. E, se passamos por uma fase de “pequeno resto”, não é novidade bíblica, porque já lá está essa expressão referida ao Povo de Deus do Velho Testamento.

Como será daqui a cinquenta anos, ninguém o sabe, mas é esta geração que tem de pôr em marcha os alicerces de uma nova época de surgimento e crescimento de novas vocações. O número de sacerdotes não terá de ser o mesmo de outrora. É o modo de fazer pastoral que tem de ser outro. Mas sem Presbíteros e Diáconos a Igreja não sobrevive.

Deus ajude aqueles em cujas mãos repousa essa responsabilidade, que somos todos nós, embora em graus e capacidades diferentes. Maria, Mãe da Igreja e dos Sacerdotes, nos dê a mão!