
Durante o Verão, o Papa Francisco aprovou uma nova formulação da norma do Catecismo da Igreja Católica relativa à pena de morte. O assunto passou despercebido, mas voltamos a ele pois nos parece que deve ser assinalado.
Por Jorge Teixeira da Cunha
Como sabemos, havia uma ambiguidade relativa a essa matéria cuja clarificação era pedida por diversas instâncias da Igreja e mesmo de movimentos humanistas. Eis a nova formulação que foi aprovada: “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa, e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo” (Catecismo, n. 2267).
A nosso ver, trata-se de uma formulação corajosa que supera a maneira de falar anterior, engenhosa, que deixava a porta meio aberta para não romper com a tradição nem afrontar os católicos que são a favor dessa forma de penalizar crimes muito graves. Agora apresenta a norma da inadmissibilidade sem fazer mais distinções e propõe que os cristãos, com boas e suas razões, se empenhem no movimento abolicionista.
De facto, a tradição moral cristã sempre admitiu a aplicação da pena de morte, quer fosse como excepção ao dever absoluto de não matar, quer na base da distinção entre não matar um inocente, mas o mesmo não ser verdade em relação ao malfeitor. Mas as razões em que se baseia a admissão da pena capital no passado são mais de ordem racional do que do Evangelho.
Eram elas principalmente, a justiça comutativa (quem faz mal deve padecer mal semelhante), eram a impotência dos Estados para limitar os criminosos, eram a exemplaridade (para atemorizar futuros criminosos). Mas esse tipo de razões, todos sabemos, nunca foram eficazes para conter o crime.
Por isso, a referência a Luz do Evangelho é fundamental, pois é de toda a evidência que a proibição de aplicar a pena de morte a criminosos está contida na revelação divina e corresponde a uma evolução da razão humana sobre essa matéria que vê essa prática como ignominiosa para uma justiça penal que, hoje, se quer reabilitadora da pessoa que cometeu crimes graves e não apenas sua eliminadora, pois isso é escandaloso e ineficaz.
Muitos, mesmo cristãos, podem achar que a decisão do Papa é um pouco inocente e não tem em conta a violência real que há no mundo. A esses podemos sempre dizer que o mal do mundo é abissal, mas que uma coisa é certa: o mal apenas se elimina do mundo com a redenção de Cristo e com a conversão dos corações humanos. Ora a pena de morte não parece que entre neste jogo de graça como única forma de superar a violência.
Claro que estas palavras não são proferidas num contexto triunfalista, pois quando o mal nos bate à porta ou atinge aqueles que nos são mais próximos, logo vem ao de cima a tentação de o combater com outro mal. Para acompanhar o Papa Francisco não baste alistar-se no movimento abolicionista; é necessário algo mais: a conversão do espírito para enfrentar devidamente o mal e mesmo uma atitude orante para fazer sua com verdade a última petição do Pai Nosso.