Da China à participação das mulheres, tudo se discute abertamente

Leia aqui nova edição dos nossos apontamentos sinodais.

Por padre João Pedro Bizarro

sacerdote a estudar Direito Canónico na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma

O Sínodo vai neste momento a meio dos seus trabalhos. No final da semana passada concluiu-se o primeiro capítulo do Instrumento Laboris, onde se analisou a sociedade, os jovens e todos os condicionalismos que dão corpo ao desafio de evangelizar hoje. Com o encerramento dos trabalhos dos 14 círculos menores a comissão de relatores poderá efetuar um resumo das conclusões de todos os círculos linguísticos. Poderão ler um resumo já publicado pela Agência Ecclesia.

Começam a ser abordados os temas como o dos abusos sexuais, o papel da mulher nos lugares de tomada de decisão, sexualidade e relações sexuais pré-matrimoniais, questão do género, pobreza, migrações, liberalismo e globalização, música e liturgia. Outro dos assuntos, paralelo ao sínodo, mas que a ele se refere é a presença de dois Bispos chineses da Igreja Patriótica que não é um assunto de todo pacífico.

Os trabalhos desenvolvem-se de modo muito intenso, não deixando aos participantes muito tempo livre para descansar. Esta é a opinião dos 3 bispos aqui hospedados no Colégio Português (os dois que referir na minha primeira crónica e o sr D. Virgílio da Silva, Bispo de Díli, Timor Leste) e dos 3 jovens auditores o Lucas Galhardo, do Brasil, o Daniel Bashir, médico do Paquistão e o Yithazc Murgas, do Panamá.

Como neste espaço não terei tempo para abordar todos estes temas, gostaria de vos deixar algumas considerações sobre dois destes temas para que possam servir-vos de um modesto começo de reflexão.

Começarei pela questão dos bispos chineses. Como sabemos a Igreja da China encontrava-se dividida entre o episcopado nomeado pela Santa Sé e aquele nomeado pelo Regime Comunista Chinês. Esta divisão levou a perseguição, encarceramento, exílio, campos de trabalho e até à morte de muitos destes bispos e padres que se opunham ao regime estabelecido. O Papa Francisco e a sua diplomacia conseguiu chegar a um acordo com Pequim resolvendo, ou pelo menos diluindo, a questão. Não sem muitos protestos por parte daqueles que foram perseguidos e acusados pelo regime e por aquela fação de clero leal a Pequim. Há quem acuse o Papa de os ter traído. Mas a questão da lealdade ao regime, seja ele qual for, da nomeação episcopal, e da liberdade de em consciência a Igreja poder alçar a voz contra as injustiças não é da exclusividade chinesa, e em Portugal, até há relativamente pouco tempo, passamos pelo mesmo, com o nosso clero e episcopado mais ou menos fiel às normativas do poder instituído do Estado.

Será, então na China, um pequeno (ou grande) preço a pagar por parte daqueles que foram leais a Roma, e por isso perseguidos. Mas a unidade e o perdão, a possibilidade de um novo começo com todos não valerá a pena? O tempo o dirá. E esta nova etapa, para um país tão carente da mensagem do Evangelho, vai necessitar da oração de todos. Para já estes dois Bispos afirma a sua grande alegria de poderem participar pela primeira vez numa assembleia sinodal, o caloroso acolhimento que receberam por parte de todos e a consciência de se saberem parte de uma grande família, a Igreja.

O segundo tema que vos deixo para posterior reflexão é o do papel da mulher nos lugares de tomada de decisão. Alargarei não só às mulheres, mas a todos os leigos em geral.

Os jovens são muito sensíveis à exclusão e a equidade e ainda mais no que diz respeito à injustiça. Uma das observadoras do Sínodo, a Srª Mina Kwon, vinda da Coreia afirmou: «as mulheres nos serviços ministeriais devem ser tratados com o mesmo respeito que os homens. Por vezes, nos serviços pastorais, as religiosas são excluídas dos cuidados pastorais e não se são atribuídas iguais responsabilidades e capacidades de tomada de decisão».

O cardeal alemão Reinhard Marx sublinha que os abusos sexuais dentro da Igreja se devem a uma cultura de clericalismo que uma maior presença de mulheres em posições de responsabilidade iria destruir essa mesma cultura. Diz: «Temos mesmo que querer e fazer isto [aumentar o papel de liderança da mulher na Igreja]! A impressão de que a Igreja, no que diz respeito ao poder, é em última análise uma Igreja masculina deve ser ultrapassada tanto ao nível da Igreja Universal como aqui no Vaticano. De outro modo, as jovens mulheres não poderão encontrar uma real oportunidade aqui. Chegou a hora!».

Chegou a hora para a nossa Igreja do Porto? Que sinais temos dado, nós clérigos? Ainda consideramos que determinados ofícios são exclusivos do ministério ordenado? E se sim quais? Em algumas partes do mundo as paróquias já não são governadas por padres, a formação (do primeiro anúncio, catequética e até formação sacerdotal) já não passa por agentes revestidos do sacramento da ordem. O que é específico do sacramento e quais todas as outras coisas que ainda vamos fazendo e que podíamos confiar a leigos, homens e mulheres?

Voltamos uma vez mais ao argumento do clericalismo, da incapacidade de não nos agarrarmos àquilo que não salva. Disse o papa na homilia da missa do domingo passado: «Jesus não Se contenta com uma «percentagem de amor»: não podemos amá-Lo a vinte, cinquenta ou sessenta por cento. Ou tudo ou nada. (…) basta-nos Jesus ou procuramos as seguranças do mundo? Peçamos a graça de saber deixar por amor do Senhor: deixar riquezas, deixar sonhos de funções e poderes, deixar estruturas já inadequadas para o anúncio do Evangelho, os pesos que travam a missão, os laços que nos ligam ao mundo. Sem um salto em frente no amor, a nossa vida e a nossa Igreja adoecem de «autocomplacência egocêntrica»: procura-se a alegria em qualquer prazer passageiro, fechamo-nos numa tagarelice estéril, acomodamo-nos na monotonia duma vida cristã sem ardor, onde um pouco de narcisismo cobre a tristeza de permanecermos inacabados.».