América Latina: uma outra deriva?

Em democracia, nada é definitivo. E nada é definitivo, porque a democracia pressupõe a realização cíclica de eleições, e os resultados dessas consultas podem alterar, muitas vezes significativamente, o cenário político vigente até à sua realização.

Por António José da Silva

Vem isto a propósito das eleições presidenciais brasileiras, cuja primeira volta teve lugar no passado dia sete, com resultados que já foram largamente comentados dentro e fora do Brasil, como se tornou visível nos meios de comunicação portugueses.

No nosso caso concreto, há que ter em conta os laços históricos e afectivos que ligam os dois povos, mas o peso económico e político que aquele país tem na América Latina e no mundo justifica perfeitamente o interesse mediático com que estas eleições foram acompanhadas.

É certo que o resultado definitivo da consulta só será conhecido após a realização de uma segunda volta marcada para 28 de Outubro, mas os resultados do primeiro turno, como dizem os brasileiros, chegam perfeitamente para se poder falar de uma clara viragem à direita naquele país.

As razões desta viragem já motivaram muitas análises, mas para além de naturais diferenças interpretativas, parece haver uma explicação comum e mais ou menos consensual: a de que os resultados do dia sete de Outubro significaram uma clara rejeição da classe política dominante, a que os eleitores atribuíram a responsabilidade pela degradação moral e económica a que o Brasil chegou. E como o PT se transformou no símbolo dessa degradação, o seu representante na corrida â presidência acabou por ser o grande derrotado desta primeira volta eleitora.

O grande derrotado, sobretudo porque perdeu para um candidato sem qualquer prestígio, um candidato sujeito sistematicamente a acusações políticas e pessoais de toda a ordem e, por isso, aparentemente incapaz de convencer o povo brasileiro a escolhê-lo para o mais alto cargo político do país. Apesar disso, o delfim de Lula da Silva perdeu redondamente e com ele pode dizer-se que perdeu também toda a esquerda brasileira, embora esta conclusão tenha de ser confirmada na segunda volta.

Nos anos noventa do século passado e na primeira década deste século, muita gente falou da deriva esquerdista que parecia estar a inundar a América Latina, desde Cuba aos novos bastiões marxistas ou filo marxistas deste subcontinente, como a Venezuela, a Nicarágua ou a Bolívia. Agora, com a tragédia social que atinge a Venezuela, as tensões que agitam a Nicarágua, e a previsível derrota do candidato do PT no Brasil, bem se pode dizer que a deriva é outra…