Editorial: Os caminhos entre Paulo VI e Óscar Romero

Pudemos seguir o acontecimento da canonização do Papa Paulo VI e do Bispo de El Salvador D. Ócar Romero. Duas figuras contemporâneas uma da outra, e associadas por motivos diferentes.

Por M. Correia Fernandes

Paulo VI foi Pontífice Máximo da Igreja Católica, tendo recebido a herança, a um tempo pesada e virtuosa, do Concílio Vaticano II, a qual lhe vinha do seu grande antecessor, também já canonizado, João XXIII, cuja festa curiosamente se recordava em 11 de outubro. Foi Papa penas durante 5 anos (de 1958 a 1963), mas teve três momentos luminosos: a encíclica “Mater et magistra” (Maio de 1961, sobre recente evolução da Questão Social à luz da Doutrina Cristã), a abertura do Concílio II do Vaticano e a encíclica “Pacem in Terris” (sobre a promoção da paz entre os povos na verdade, justiça, caridade e liberdade (11 de abril de 1963). Com a sua morte se afirmou Paulo VI, Papa de 1963 a 1978, ao longo de 15 anos. Homem de grande austeridade, assinalou a abertura da Igreja aos grandes problemas da Humanidade no seu tempo.

O nome Paulo foi escolhido lembrando o apóstolo, para afirmar a abertura da Fé ao mundo de então. A sua grande decisão foi a de estimular a continuidade do Concílio Vaticano II, que muitos queriam dar por concluído com a morte do seu antecessor. Foi a sua determinação e entendimento de que a renovação das mentalidades na Igreja deveria ser aprofundada, que determinou a decisão da continuidade dosa trabalhos do Concílio.

Dos seus ensinamentos sobressai a encíclica “Populorum Progressio” (O progresso dos povos), em que se propôs como definitiva para o mundo a afirmação de “o desenvolvimento é o novo nome da paz”. Mais discutida foi a sua carta encíclica “Humanae vitae”, sobre a moral matrimonial e familiar, recordada nestas páginas. O tema social voltou a evidenciar-se em “Octogesima adveniens” sobre a atualização dos princípios da “Rerum Novarum” de Leão XIII, sobre os problemas sociais, nos seus oitenta anos. A abertura ao desenvolvimento dos povos constitui ainda hoje uma dimensão essencial que os governos não conseguiram operacionalizar, e cujo esquecimento está na origem dos dramas atuais das migrações: o apelo a que os povos mais desenvolvidos programassem esquemas de desenvolvimento para os povos africanos e do Médio Oriente tivessem acesso aos bens do desenvolvimento que vêm nos povos da Europa ou da América. Pouco foi feito nesse domínio e daí advêm as raízes para os movimentos migratórias de hoje. Tendo como lema episcopal “In nomine Domini” (em nome do Senhor), Paulo Vi foi homem de espiritualidade profunda e de austeridade modelar. Foi beatificado em 19 de outubro de 2014, na Praça de São Pedro, em celebração presidida pelo Papa Francisco e na presença do Papa Emérito Bento XVI.

A associação no ato da canonização ao Bispo de El Salvador, Óscar Romero (que se encontrou com Paulo VI) está repleta de sentido de espiritualidade e humanismo interventivo. Foi assassinado em 4 de março de 1980, durante uma celebração na catedral de El Salvador, a que presidia. Tinha-se evidenciado como defensor do desenvolvimento das populações mais pobres do país, então sob um regime ditatorial, já em tempos do Papa João Paulo II. Entre os fiéis era venerado como “el santo de Améria”.

Muitos sacerdotes e fiéis foram também assassinados por esses dias. Talvez a sua ação não tenha sido compreendida por muitos responsáveis da Igreja europeia, mas ele manteve a sua vontade de estar sempre ao lado do povo oprimido. Os regimes ditatoriais nunca compreenderam o valor do equilíbrio humano. A homenagem que Francisco lhe prestou na circunstância da sua canonização manifesta que os grandes santos permanecem opara além do tempo.

Por isso Óscar Romero continua a inspirar a paz e reconciliação na América Latina. Mas as grandes fi gura também obnubilam as pequenas: na mesma celebração foram canonizadas, na praça de S. Pedro repleta, mais cinco fi guras da Igreja: Os os padres Francesco Spinelli (18531913) e Vincenzo Romano (1751-1831); as religiosas Maria Catarina Kasper (1820-1898) e Nazária Inácia de Santa Teresa de Jesus (18891943); e o jovem leigo italiano Nunzio Sulprizio (1817-1836), trabalhador vivendo como tantos uma espiritualidade da simplicidade, que morreu de enfermidade óssea. Santos