Uma reflexão sobre a “Humanae Vitae” a poucos dias da canonização de Paulo VI

Neste domingo, 14 de outubro, vão ter lugar canonizações na Praça de S. Pedro, no Vaticano, em celebração presidida pelo Papa Francisco. Um dos canonizados é o Papa Paulo VI.

A Voz Portucalense publica aqui um artigo assinado pelo Prof. Walter Osswald sobre a Encíclica “Humanae Vitae” do Papa Paulo VI.

 

Uma reflexão sobre a Humanae Vitae

Por Walter Osswald

Catedrático jubilado da Faculdade de Medicina do Porto; Diretor emérito do Instituto de Bioética da Universidade Católica

Gostaria de partilhar uma breve reflexão, suscitada pelo pertinente artigo (Voz Portucalense, 26 de Setembro de 2018, p.4), que muito certeiramente foca a questão de uma eventual revisão da doutrina expendida há cinquenta anos, na encíclica de Paulo VI, “Humanae vitae”.

Não propõe a sua revogação, nem uma espécie de remissão para o imenso número de normas, regulamentos, preceitos, que a evolução da sociedade, do pensamento e da ciência relegou para um arquivo reservado aos estudiosos. De forma clara, propõe antes uma mudança hermenêutica, ou seja, que deixe de ser interpretada como proibição mas antes como norma a apontar um caminho de perfeição que deverá constituir o alvo a atingir na caminhada do casal.

Parece-me muito importante lembrar que a controvérsia desencadeada dentro da Igreja por uma posição intransigente e autoritária, tomada em discordância com o relatório da comissão encarregue pelo Papa de o aconselhar nesta questão, teve consequências danosas para a unidade da Igreja e para a vida espiritual de muitos católicos, que se afastaram voluntariamente da prática religiosa por entenderem que as circunstâncias os obrigavam a recorrer a um procedimento técnico que os excluía da comunidade. Estas feridas podem estar esquecidas, mas não sararam.

O facto de a encíclica ter adoptado uma lógica baseada na lei natural e na necessidade de não separar os aspectos unitivo e (potencialmente) criativo em todo e qualquer acto conjugal veio ainda a ter como consequência lógica, embora lamentável, a negação da liceidade da procriação medicamente assistida homóloga, isto é, realizada com gâmetas dos dois cônjuges.

Daí que uma nova interpretação da encíclica traria consigo, com grande benefício para todos, a aceitação do recurso à procriação medicamente assistida, quando a infertilidade representa sofrimento e doença. Também aqui, creio, não devemos por limites à actuação da infinita misericórdia de Deus.

*Catedrático jubilado da Faculdade de Medicina do Porto; Diretor emérito do Instituto de Bioética da Universidade Católica