
Por Ernesto Campos

“A arte assenta num tripé:
estética, técnica e ética”
José Mário Branco
Explicitando a epígrafe: não basta a emoção artística, é preciso traduzi-la através dos sentidos, visualmente, auditivamente… é a estética; isto, com regras que a experiência mostrou serem necessárias e vantajosas para exprimir a emoção sensorialmente… é a técnica; finalmente, não há arte sem pessoas, porque se trata de uma forma de comunicação… é a ética.
Vem isto a propósito da polémica que se desencadeou sobre uma exposição fotográfica que tinha salas reservadas, destinadas apenas a adultos, nas quais se exibiam fotos de caráter sadomasoquista. Pretendeu-se poupar o espetáculo chocante (inusitado – fora do uso, diz o artista e também se poderia dizer obsceno, que é mais ou menos a mesma coisa) a crianças que o não compreenderiam, mas não deixariam de ficar admiradas perante uma realidade tão fora do comum que, por não ser lhes ser assimilável, se torna ameaçadora. Não se trata de censura nem de limitação da liberdade do autor mas de consciência ética e de respeito pelo outro, neste caso a criança.
O artista reproduz a sua interioridade cujo conteúdo é a sua visão do mundo. Quem contempla a sua arte tem igualmente a sua própria visão do mundo. Na contemplação da arte confrontam-se dois sujeitos que arquitetam o real, cada um à sua maneira, aquém e além da razão; entender o mundo não se reduz a conceitos. Somos assim: a relação do homem com o mundo é uma experiência vivida, sobretudo e antes de mais, de impressões visuais, auditivas, olfativas, tácteis mais do que de raciocínios.
É neste contexto que se explica a fruição do objeto artístico: o olhar mostra-nos mais que os olhos; o ouvido escuta mais do que vibrações do ar. Então, e as crianças?
Os psicólogos dizem que nos primeiros estádios de desenvolvimento, a criança apreende o mundo de uma maneira muito própria. Por exemplo, para a criança de seis ou sete anos não teria sentido falar-lhe de números negativos ou de logaritmos ou de outras semelhantes abstrações; o seu universo é o concreto, explicável pela utilidade que o objeto tem. Mas paralelamente fervilha-lhe na cabeça o pensamento mágico a partir da realidade conhecida: faz de uma vassoura um cavalo e um castelo de uma caixa de sapatos. É neste quadro de desenvolvimento racional e imaginativo que a criança evolui de estádio em estádio. Apresentar-lhe o que a sua mente não está preparada para receber é uma violência; é como se se lhe desse uma pedra de carvão em vez de um pau de chocolate.
Isto bastaria para justificar que se lhe não apresentasse, provocatoriamente, o objeto-desconhecido-inútil das imagens sadomasoquistas e outras de igual teor, que seguramente, a agridem e incomodam, porque ela não tem caminho aberto para tais imagens chegarem ao fundo endotímico onde a emoção artística se vive.
A arte ou respeita as pessoas a quem chega como mensagem enriquecedora ou não é arte nem é nada, porque lhe falta o pilar da ética. É neste plano de respeito pelo outro, neste caso a criança, que a estética e a ética da arte se confundem com o simples bom senso.