Tendo celebrado a abertura do ano pastoral na festa da dedicação da Igreja catedral (na própria Sé, o festividade tem o grau de solenidade), parece oportuno refletir sobre a identidade e designação dos nossos lugares de culto.
Nos dicionários de uso corrente a palavra «templo», entre outras coisas, é sinónimo de «igreja». Vice-versa, «igreja» (com minúscula), é um «edifício destinado ao culto de uma religião, especialmente cristã». Mais concretamente, o Moderno Dicionário de Língua Portuguesa “Michaelis” diz-nos que «igreja» é um «templo dedicado ao culto cristão». A verdade, porém, é que «templo» e «igreja» estão longe de ser sinónimos ou equivalentes.
Os povos pagãos tinham os seus «templos», entendidos como lugares sagrados onde a divindade tinha a sua morada. O templo em si consistia essencialmente numa cela, por vezes com anexos e antecâmaras, onde se conservava a imagem da divindade; não havia espaços para a assembleia. Frequentemente uma colunata quadrilateral ou circular delimitava o perímetro do templo; o altar para os sacrifícios ficava já fora; os adoradores congregavam-se em esplanadas, no exterior.
A partir da teologia da criação, já o Antigo Testamento toma as suas distâncias deste modelo pagão com uma sacralidade cósmica e material. A Bíblia, distinguindo claramente o Criador da Criação, afirma a transcendência espiritual do Criador e desdiviniza (seculariza) todo o universo criado: o Senhor tem nos céus o seu trono; a terra, deu-a aos filhos dos homens. Por isso, o templo edificado por Salomão já não é pensado como o domicílio na terra d’Aquele que nem os céus dos céus podem abarcar. Essa ideia está claramente expressa na oração da dedicação feita pelo próprio Salomão. Mesmo assim, o Templo de Jerusalém, sucessor do Tabernáculo do Deserto, tem o seu «Santo dos Santos», lugar onde o «sacramento especial» da Arca da Aliança simboliza a «companhia» de Deus ao seu povo. «Casa de Oração», o templo recolhe a comunidade dos fiéis em esplanadas ou «pátios».
É bem conhecida a crítica profética do templo de Jerusalém. Jesus assumirá e radicalizará essa crítica. Com o «sinal do templo» ele coloca ao culto judaico uma exigência radical de purificação/superação. Doravante, o «topos»/lugar da presença de Deus no meio dos homens é a sua humanidade, é o seu Corpo, destruído pela morte de cruz, mas definitivamente erguido ao terceiro dia. Os cristãos não têm outro templo que não seja o Corpo de Cristo ressuscitado. Nem precisam porque chegou a hora do Culto novo em espírito e verdade. Não temos licença para costurar de novo o «véu do templo» que foi rasgado ao meio com a morte de Cristo!
São Paulo dará mais dois passos. Ele fala da Igreja/comunidade como «Templo» que não pode ser destruído impunemente por divisionismos e outros atentados contra a sua unidade. Sendo «Corpo de Cristo», a Igreja é também «Templo». Noutra passagem, é o próprio corpo do cristão a ser chamado «templo do Espírito Santo», templo que não pode ser profanado com um comportamento moral indigno. Resumindo o pensamento paulino, nós não temos «templos», «somos (em Cristo) Templo»: quer individualmente considerados, quer enquanto comunidade.
Na época do NT, os cristãos reúnem-se para o culto em casas particulares. Mas não constroem «templos». Nem mesmo quando o de Jerusalém foi definitivamente destruído. Para as primeiras gerações cristãs isso não oferecia quaisquer dúvidas. Valha, por todos, o testemunho de Minúcio Félix, escritor apologeta cristão de finais do século II, que declara formalmente sem a mínima hesitação: «nós não temos templos nem altares» (Octavius, 32).
O Pontifical da Dedicação da Igreja é exemplar no rigor da sua linguagem. Nele, a palavra «templo» nunca designa o edifício de culto da comunidade cristã. Aí, privilegia-se o termo «igreja» que, designando primariamente a comunidade cristã, designa derivadamente o edifício onde esta se reúne e, participando nos Santos Mistérios, se edifica como Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo.