
As últimas notícias oriundas da Nicarágua apontam para o agravamento cada vez mais visível da situação política naquele país da América Central.
Por António José da Silva
O que começou por algumas manifestações de rua contra a decisão governamental de introduzir modificações na política social do executivo transformou-se rapidamente num movimento alargado de contestação ao governo de Daniel Ortega, um líder cujo combate ideológico original lhe foi garantindo, ao longo dos anos, um lugar de honra na lista dos heróis revolucionários da América Latina.
Foi pois um choque para muita gente ver este “herói” revolucionário utilizar a força de um modo violentamente desadequado, para calar a voz daqueles que protestavam contra o fim de medidas sociais que tinham sido bandeiras da afirmação do regime que acabara com a longa ditadura da família Somoza.
Com o apoio interno da chamada Guarda Nacional e o apoio externo os Estados Unidos, Anastásio Somoza governou o país entre os anos de 1936 e 1978, até cair às mãos da Frente Sandinista, um movimento revolucionário de índole marxista, cujo líder, Daniel Ortega, acabou por se tornar chefe de governo e presidente da República, lugar que tem ocupado desde então apenas com a interrupção de um mandato.
Apesar da sua ligação ideológica aos governos de Havana e de Caracas, uma ligação que lhe valeu um apoio financeiro indispensável, Ortega foi enfrentando desafios eleitorais, tendo perdido o primeiro para Violeta Chamorro, mas ganhando todos os que se seguiram. Com o tempo, acabou também por se reconciliar com a hierarquia da Igreja Católica, uma reconciliação de que o seu casamento religioso foi o sinal mais mediatizado. Entretanto, muitas coisas foram mudando no mundo, incluindo na América Latina.
Em vários países, as eleições resultaram em governos mais conservadores, enquanto a Venezuela chavista, a braços com uma crise económica e social de dimensões catastróficas, deixava de poder funcionar como abono de família dos regimes ideologicamente irmãos. Quando Daniel Ortega chamou a sua mulher para a vice – presidência do país, acabou por dar o último golpe na sua figura de herói revolucionário.
Para grande parte da opinião pública da Nicarágua, sobretudo para aqueles que são mais jovens, a ideologia do regime resume-se agora à luta pela manutenção do poder, uma luta que o levou a tomar medidas repressivas que se saldam já em algumas centenas de mortos. Não admira pois que os seus opositores gostem de exibir um cartaz em que se pode ler: “Ortega e Somoza, la misma cosa”.