
Celestin e Ariosto, Rwanda e Brasil, duas personalidades de um mesmo Caminho Neo Catecumenal. Levantaram-se para servir Jesus e a sua Igreja. Foram acolhidos no Porto para se abrirem ao mundo. São expressão da Igreja missionária. Ordenados presbíteros no passado dia 8 de julho, por D. Manuel Linda, bispo do Porto, concederam agora esta entrevista à VP
Por Rui Saraiva
O Seminário Diocesano Redemptoris Mater do Porto, entregue ao Caminho Neo Catecumenal, está em festa pela ordenação dos seus dois primeiros presbíteros. Celestin do Rwanda e Ariosto do Brasil. A VP falou com eles e publicamos aqui as entrevistas.
Celestin, padre para “dar a vida”
O padre Celestin Bizimenyera, nasceu no dia 1 de abril de 1979 em Murambi-Rulindo, no Rwanda. Viveu a guerra fratricida no seu país. Perdeu o pai, familiares e amigos.
O Caminho Neo Catecumenal abriu-lhe uma janela para um largo horizonte de vida. E o Senhor chamou-o para a vida sacerdotal. No Porto teve dificuldades mas adaptou-se à língua e ao meio envolvente. Agora é o padre Celestin, ao serviço da diocese do Porto.
VP: O que é que sente neste momento, dias após a sua ordenação presbiteral?
CB: Um sentimento de alegria e de gratidão, por chegar a esta etapa que é o início de uma missão.
VP: Uma missão que começou há algum tempo atrás no Rwanda…
CB: A minha vocação nasceu no Caminho Neo Catecumenal, onde recebi a Palavra, quando comecei no Caminho em 1998. Era um tempo difícil, depois da guerra que tinha terminado em 1994. Estava destruído, desiludido e desesperado, mas também com muito projetos pessoais. Pensava tornar-me um “salvador da pátria”, pelo menos da minha família, diante das injustiças que via. De modo que tinham um peso enorme as coisas que pensava fazer para corrigir as coisas. Foi por esta altura que me foi anunciado este Evangelho, esta boa notícia: que o Senhor me ama, independentemente de toda a história e de tudo o que tinha acontecido, da desgraça e da guerra que quase arrasou toda a família. O Senhor estava presente e convidava-me a descansar. Sobretudo, fez-me ver que eu que não era nada, nem melhor que ninguém. O anúncio fez-me ver que não sou diferente dos outros. Foi um alívio, um peso que me tiraram das costas para poder caminhar livremente. Ver que o anúncio do Evangelho foi capaz de me reconstruir e devolver-me a paz e a tranquilidade. Sobretudo, ver a história com outros olhos.
VP: Voltando um pouco atrás, morreu muita gente da sua família, perdeu familiares?
CB: Sim, praticamente em todas as famílias morreram pessoas. Não há ninguém que não tenha perdido membros da sua família. Na minha família morreu o meu pai, mas também familiares e vizinhos. Pelo menos durante três meses morreram cerca de um 1 milhão de pessoas.
VP: Em que cidade estava?
CB: Na minha terra (Murambi-Rulindo) a cerca de 30 km da capital (Kigali).
VP: E aí havia já um grupo do Caminho Neo Catecumenal?
CB: Havia já antes da guerra mas eu não conhecia. Só conheci o Caminho depois da guerra. Porque o Caminho funciona assim: há o anúncio da Palavra, aquele que acolhe a Palavra forma uma comunidade e depois, passado um tempo, eles também vão evangelizar. Na verdade, nós padres, somos formados para servir as famílias. Para ajudar as famílias a evangelizar. Porque um padre pode estar ao serviço de 50 famílias que evangelizem. Os padres formados no Redemptoris Mater estão em missão e ao serviço destas famílias que estão a evangelizar.
VP: Estudar em Portugal…! Como foi esse desafio de aprender uma nova língua e encontrar novos amigos, mas, principalmente o desafio de estudar aqui no Porto?
CB: Na verdade não foi nada fácil aprender o português. Mas como sabia um pouco de francês, tinha uma base. No início não percebia nada. Nem o bom-dia! Cheguei a 3 de dezembro de 2008 e em junho já fazia um exame em português. Ainda hoje estou a aprender, mas no início foi difícil. Como no Seminário ninguém vive sozinho, há uma entreajuda. Viver em comunidade ajuda muito porque estudamos juntos. Quem sabe mais procura ajudar os outros que sabem menos.
VP: O que é ser padre hoje, nesta sociedade contemporânea?
CB: Ser padre é dar a vida. Nesta certeza de que é o Senhor que vai à frente. Dar a vida no sentido de serviço. Não é ser servido pela comunidade mas servir a comunidade. Dando a vida é aí que está a realização do ministério. Normalmente, toda a gente quer ser servido, mas ser o último sempre implica privar-se de algo. Para encontrar a verdadeira liberdade. Ajudar os outros a encontrarem-se com Cristo. Quem tem Cristo pode caminhar sobre as águas, pode vencer a morte, saboreando a vida eterna.
Ariosto, levantou-se para servir e ser padre
O padre Ariosto Nascimento, nasceu a 27 de dezembro de 1988, em Iguatú, Ceará, no Brasil. Com 15 anos, num encontro vocacional do Caminho, sentiu que se devia levantar. E assim nasceu a sua resposta ao chamamento de Deus. Do calor do Ceará para o friozinho do Porto, Ariosto, é padre para servir a comunidade.
VP: Como é que foi descobrir o Caminho (Neo Catecumenal) ali no Brasil?
AN: Na minha família eramos católicos tradicionais. Eu conheci a Igreja através do Caminho. Porque nós andávamos afastados, tínhamos muitos problemas familiares, e eu por ser o quinto filho apanhei com muitos problemas no relacionamento dos meus pais. O meu pai morava fora. E eu tive essa ausência do meu pai. Praticamente a minha irmã do meio é que se encarregou de mim. A minha mãe trabalhava. Foi nesse momento de dificuldade na família, nos meus 12-13 anos, que primeiramente na Comunidade quem entrou foi a minha mãe. E através da minha mãe foi luz, sal e fermento para toda a família. E a verdade é que a minha mãe sem convites formais foi convidando, com o seu exemplo, todos os meus familiares. E na Comunidade descobri o amor de Deus.
VP: Quando é que se dá esse momento de sentir que Jesus Cristo o seduzia ao ponto de querer entregar a sua vida?
AN: Eu já tinha entrado na comunidade aos 14 anos. No Caminho temos algumas peregrinações, as Jornadas Mundiais e os Encontros Vocacionais. São momentos de chamamento. E houve uma peregrinação regional em Fortaleza. Aos 15 anos eu estava a estagiar num banco através da escola e pensava em estudar biologia. Sempre com o desejo de ganhar dinheiro. O Caminho ajudou-me a reconciliar-me com a história, com os meus pais e comigo mesmo. E foi nessa peregrinação, no chamado momento vocacional, senti uma alegria que nunca tinha sentido. Tinha trabalho e dinheiro, tinha namorada, só que faltava algo. E ali senti uma alegria que não sei explicar. Naquele momento levantei-me. Apesar de eu achar que era algo passageiro … depois, graças à Comunidade e ao acompanhamento dos catequistas… a Comunidade foi muito importante para o discernimento vocacional…
VP: Que idade é que tinha?
AN: Eu levantei-me a primeira vez aos 15 anos e depois fiquei dois anos antes de entrar no Seminário…
VP: O que quer dizer com “levantei-me”?
AN: Porque neste encontro faz-se um chamamento vocacional no qual o presbítero da equipa itinerante pergunta aos jovens que estão ali quais os que sentem um chamamento para a vida sacerdotal. E aqueles que sentem o chamamento ficam de pé e põem a sua disponibilidade…Claro que depois há todo um processo de discernimento. Temos vários encontros com os catequistas que nos ajudam também a … pois nem todos os que se levantam entram no Seminário. Alguns vão em missão antes de entrar no Seminário, outros pedem para esperar, como foi o meu caso. Fiquei, mais ou menos, dois anos antes de entrar no Seminário em Brasília.
VP: Como foi a experiência aqui no Porto, nesta comunidade?
AN: Ao princípio foi difícil adaptar-me ao frio porque venho de uma região muito quente, pois venho do Ceará no Brasil. Quando chegamos cá vivemos dois anos nas casas de irmãos da Comunidade que nos acolheram antes de vir para o Seminário. Mas foi importante isso, sentir-me acolhido. E essa é a importância do Caminho: irmãos do mundo inteiro que nos acolhem como familiares. Não nos conhecemos de nenhum sítio, mas falamos uma mesma linguagem.
VP: O que é ser padre hoje na vida contemporânea?
AN: Ser padre, primeiramente, é ser um cristão com os outros cristãos e que depois tem este chamamento a guiar o povo de Deus. Sobretudo é isso, é dar de graça, é fazer presente no mundo o amor de Deus, o amor gratuito de Deus. O Seminário não é uma fábrica de padres. O Seminário é para formar cristãos. Se eu sou um bom cristão eu posso ser um bom presbítero, ou um casal. Importante primeiro é a intimidade com Cristo. Descobrir o amor de Deus que me faz reconciliar com a história para poder dar aos outros. Fazer presente o amor de Deus no mundo.