Por Ernesto Campos
“O desporto é “agente de aperfeiçoamento
moral e social”
Pierre de Coubertin
Os valores éticos são como que uma sombra do homem, acompanham-no desde a idade da razão até ao túmulo.
Absurdo seria que a atividade desportiva de atletas, jogadores, técnicos, espectadores, dirigentes, que podem livremente e responsavelmente escolher entre o bem e o mal, como em tudo na vida, se desligasse do ethos que em todos os momentos e circunstâncias envolve a vida humana. E, todavia, é notório que, quando tanto se fala e escreve sobre desporto, escassamente se aborda a questão ética. A TV gasta horas e horas e os jornais dedicam páginas e páginas à análise de jogos, nomeadamente de futebol, ao comentário sobre as escolhas dos treinadores, à teoria do treino, à tecnologia, à conflitualidade dos dirigentes, e sobre ética desportiva, praticamente nada.
Numa perspetiva pessimista, dir-se-ia, como já se disse, “um universo mal frequentado”: corrupção, suborno, luta desleal pelo poder, irregularidades jurídicas. Nada disto, porém, invalida nem diminui o interesse entusiasmo com que o comum das pessoas aplaude a sua equipa e as alegrias que vive com as vitórias que conquista. É como se o jogo ganho no campo da competição pelos jogadores fosse a vitória dos adeptos que rejubilam com os melhores do mundo. A vitória do clube preferido fortalece o sentido de pertença, é um afago do eu patriótico e clubístico. À falta de outros afagos, isso compensada de alguma tristeza dos trabalhos e dos dias. Abençoada bola!
Independentemente destes aspetos – negativo enquanto marcado pela conflitualidade, e positivo enquanto emotivamente gratificante – o fenómeno desportivo, num outro plano de reflexão, pode ser visto como prática lúdica, individual ou coletiva, competitiva ou não, de emulação e desafio ou risco em ordem a afirmar a superioridade do indivíduo ou do grupo sobre si mesmo ou sobre o adversário vivo ou inerte. Além desta dimensão lúdica de aperfeiçoamento pessoal , o desporto assume também dimensão profissional, internacionalizada, envolvendo somas astronómicas que o transformam numa indústria em que as implicações éticas sobem de ponto com interesses políticos, de ganância e de prestígio. É o domínio da chamada alta competição, já não de gratuidade, em que o jogo deixa de ter em si o seu próprio fim e se torna calculista e interesseiro que pode ir até ao perigo para a saúde como preço da vitória. É aqui que bate o ponto. Respeito pelo adversário e por si mesmo, lealdade, generosidade, , tolerância fazem do desporto um tempo relacional, libertador e criativo. Ao contrário, a ausência de sentido ético, pervertendo o momento competitivo, exacerbam egoísmos e desfeiam a beleza do espetáculo desportivo.
Igualmente ao nível da política, da responsabilidade dos governos, o investimento dos dinheiros públicos implica uma dimensão ética. “Desporto para todos” com condições de instalações e meios que o facilitem ou favorecer exclusivamente o espetáculo desportivo, eis a questão. É sem dúvida no espetáculo que se contempla a beleza da trajetória curva da bola a ultrapassar a barreira humana e a alojar-se na baliza adversária. Porém, melhor que contemplar a beleza é fruí-la na estética do comportamento no exercício desportivo. Essa estética “por desporto” é uma ética que vem de dentro.