Por S.D.L.
Como vimos, o ordenamento canónico da Igreja estabelecia no CDC de 1917 que «o sacerdote não celebre a Missa sem um ministro que o sirva e lhe responda» (cân. 813, §1). A Instrução De Musica Sacra et Sacra Liturgia (Congregação dos Ritos, 1958) fala deste «ministro ou ajudante» que interage com o sacerdote na celebração da Missa, dialogando com ele em latim (cf. 14) e reconhece a prática da Igreja de deputar leigos do sexo masculino, sejam jovens ou adultos, para o ministério do altar (cf. n. 93, c). A este propósito, recomenda-se: «Curem diligentemente os párocos e reitores das igrejas em ter para a celebração dos actos litúrgicos e exercícios de piedade crianças ou jovens ou mesmo adultos «ministrantes», recomendáveis pela sua piedade, bem instruídos nas cerimónias e suficientemente exercitados no canto sagrado e no canto religioso popular» (n. 113).
Entretanto, será necessário esperar pelo II Concílio do Vaticano para ver clarificado o estatuto do Acólito ministrante. Ao elencar as normas da reforma litúrgica que decorrem do caráter hierárquico e comunitário da Liturgia, afirma Sacrosanctum Concilium, 29: «Os acólitos [em latim: ministrantes]… também desempenham um verdadeiro ministério litúrgico». Isto quer dizer que se lhes aplica o princípio formulado no art.º anterior: «nas celebrações litúrgicas cada qual, ministro ou simples fiel, no desempenho do seu ofício [múnus] faça tudo e só o que lhe compete» (SC 28). De facto, há funções que lhes são próprias [«munus sum»: SC 29] e para cujo bom desempenho é requerida uma instrução suficiente sobre o que lhes compete fazer. Mais do que instrução, é necessária formação e, por isso, a Igreja quer que sejam profundamente imbuídos do espírito da liturgia (SC 29).
A expressão «verdadeiro ministério litúrgico» tem um contexto. Na visão juridista de liturgia, predominante até Pio XII, o pressuposto para o desempenho de verdadeiros ministérios litúrgico era a pertença ao clero. São Pio X, no motu proprio Tra le Sollecitudini, considerava o canto litúrgico próprio do «coro dos levitas» (nº 12). «Os cantores da Igreja, ainda que sejam leigos, fazem propriamente as vezes do coro eclesiástico» [n. 12. Note-se que a tradução latina oficial deste documento omite a cláusula: «ainda que sejam leigos»: «anche se sono secolari»]. Desempenham, portanto, supletivamente, «um verdadeiro ofício litúrgico» [munus vere liturgicum»] (n. 13). E estes cantores leigos, que supriam a falta do coro eclesiástico, deviam vestir hábito eclesiástico e sobrepeliz quando cantavam na Igreja (n. 14). Em suma: desde Pio X que se considerava que os elementos leigos dos grupos corais desempenhavam um «verdadeiro ofício [munus] litúrgico», a título supletivo, isto é, para fazer as vezes do «coro eclesiástico», constituído por clérigos («levitas»).
Pio XII, na encíclica Musicae Sacrae Disciplina de 25 de dezembro de 1955 reconhece que tanto os compositores como os executantes da música sacra «exercem um verdadeiro e genuíno apostolado» (n. 17), de tal forma que «não são apenas artistas e mestres de arte, mas também ministros de Jesus Cristo» (ibid.). Procurando esclarecer ulteriormente os conceitos, a Instrução de musica sacra et sacra liturgia publicada pela Congregação dos Ritos em 3 de setembro de 1958 distingue entre clérigos e leigos:
– «Os clérigos que intervêm na função litúrgica da maneira e forma estabelecidas pelas rubricas, ou seja, como clérigos, quer exercendo as funções de ministros sagrados ou de ministros inferiores, quer fazendo parte do coro ou da schola cantorum, executam um serviço ministerial próprio e directo, e isto por força da ordenação ou da assunção ao estado clerical» (n. 93);
– «Os leigos do sexo masculino, sejam crianças, sejam jovens ou adultos, quando deputados pela competente autoridade eclesiástica para o ministério do altar ou execução da Música sacra, se exercerem este ofício da maneira e forma prescritas pelas rubricas, executam um serviço ministerial directo, mas delegado» (ibid.).
Vemos, portanto, que a linguagem do Magistério foi evoluindo: de um «verdadeiro ofício [múnus] litúrgico (Pio X) a um serviço ministerial direto mas delegado (Pio XII). O II Concílio do Vaticano ultrapassa estas hesitações e ensina, de forma inequívoca, que os acólitos ministrantes e outros intervenientes leigos na liturgia da Igreja exercem um «verdadeiro ministério litúrgico».