Editorial: Domingos de Pinho Brandão, bispo, homem de humanidade e cultura

O Seminário Maior do Porto inaugurou com aquela solenidade que é timbre da simplicidade despretensiosa, uma sala dedicada a D. Domingos de Pinho Brandão (1920-1988), que foi Reitor daquela casa de formação, em tempos em que albergava cerca de centena e meia de “estudantes”, como ele chamava aos alunos do seminário maior.

Por M. Correia Fernandes

A sua dimensão de presbítero da diocese e de formador e Reitor do seminário, homem de cariz austero e formal, era compaginada com uma extraordinária visão da dimensão humanista e capacidade de abrir horizontes e dinâmicas culturais nas mentes de jovens cujas idades iam dos dezoito aos vinte e tal anos.

Recordamos a preocupação que manifestou de abrir o seminário aos horizontes da cultura histórica e artística, a preocupação pelo desporto (o possível para as dimensões daquela casa) e o contacto que pretendeu estabelecer com espaços da diocese, particularmente com a sua terra natal e de eleição, onde organizou durante as férias atividades culturais e desportivas que entusiasmaram os alunos de então.

Mas s sua grande obra foi a idealização e construção do Museu de Arte Sacra e Arqueologia, para o que destinou e fez adaptar uma ala do edifício do seminário. Para o conseguir, com a aceitação do Bispo D. António Ferreira Gomes (a carta em que apresenta o projeto ao bispo e a aceitação deste encontram-se na sala agora inaugurada), percorreu paróquias da diocese às quais solicitava imagens e obras de arte para as quais propunha valorização, idealizou e fez realizar, com a sua própria participação, escavações arqueológicas com invulgar dinamismo. Dotou a biblioteca do seminário de livros de arte, então inexistentes naquele espaço e sobretudo chamou ao seminário figuras notáveis do mundo da arqueologia e arte: podemos recordar a figura do médico Reynaldo dos Santos, autor da História da Arte em Portugal, D. Fernando Almeida, que foi diretor do Museu Nacional de Arqueologia, Reis Santos, também historiador de Arte, António Cruz, Luís de Pina e tantos outros que permitiam aos “estudantes” associar aos estudos teológicos os valores da Arte e da Cultura.

Destituído de Reitor a quando do exílio de D. António Ferreira Gomes, tempos depois da destituição voltou à docência. Na primeira aula em que retomava a lecionação, começou: “Como tínhamos dito na aula anterior, continuamos agora o nosso estudo” (de Teologia Dogmática). Nem uma referência à sua destituição ou suas causas.

Com a restauração da Faculdade da Letras no Porto, foi convidado como professor, tarefa que assumiu com o mesmo dinamismo que caracterizava a sua ação. Entretanto foi nomeado bispo auxiliar de Leiria, nos tempos de D. Alberto Cosme do Amaral, assumindo as tarefas da sua missão com a mesma dedicação de sempre (1966). Com o regresso de D. António Ferreira Gomes em 1969 tornou-se Bispo Auxiliar do Porto (1972-1988). Fundou a revista “Lucerna” e foi membro da Academia Nacional de Belas Artes e da Academia Portuguesa da História.

A vila de Arouca prestou-lhe homenagem e a Real Irmandade Rainha Santa Mafalda, a quem foi doado o seu espólio, constituiu um Centro de Estudos no espaço do mosteiro de Arouca, que alberga a sua biblioteca pessoal e documentos da sua memória (criado em 2015), e  que publica uma revista de estudos, denominada “Poligrafia”.

Por isso se saúda o reconhecimento do Seminário Maior, em colaboração com a Faculdade de Letras do Porto, através da disponibilização da parte do seu espólio existente no Seminário, que permitirá ampliar o conhecimento da obra ingente desta grande figura da cultura portuguesa.