Padre Manuel Antunes, pedagogo da democracia

Com o título e tema “Padre Manuel Antunes, sj: Pedagogo da Democracia (1918-1985)”, encontra-se patente em Lisboa, na Biblioteca Nacional, disponível até 31 de agosto de 2018, uma mostra itinerante com a qual se assinala o centenário do nascimento(3 de novembro de 2018) deste sacerdote jesuíta, que foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Trata-se de uma mostra itinerante, em 12 painéis, sobre a vida e a obra deste professor, que era natural da Sertã, vila pertencente ao distrito de Castelo Branco (diocese de Portalegre e Castelo Branco), na província da Beira Baixa, onde lhe é dedicada uma estátua de pé e em corpo inteiro. Como “mostra itinerante” já foi apresentada na Faculdade de Letras de Lisboa e estará disponível para percorrer outros espaços que a solicitem.
Ao mesmo tempo encontrase em preparação o Congresso Internacional “Repensar Portugal, a Europa e a Globalização: 100 Anos Padre Manuel Antunes, sj”, a realizar na Assembleia da República, na Casa da Cultura da Sertã e na Fundação Calouste Gulbenkian, nos dias 2, 3, 4, 5 e 6 de novembro de 2018. Esta são as notícias. Não é vulgar que uma figura da Igreja, membro de uma congregação religiosa em tempos expulsa e nem sempre bem aceite pela intelectualidade dominante, se transforme reconhecidamente em figura nacional no mundo da cultura e da sociedade.

Alguma razão deve haver para o facto, que certamente nos poderá recordar outras figuras proeminentes da nossa tradição cultural: desde logo o P. António Vieira (1608-1697), jesuíta como ele, e como ele homem de pensamento e abridor de caminhos, ou do iluminista oratoriano Luís António Verney (1713-1792), que lançou novos projetos para a educação, postulando a abertura a rapazes e raparigas, a todos e de matérias atuais, como as ciências, como um pouco como antes postulava Comenius (1592-1670): escola para todos, de todas as matérias, de todas as maneiras e sempre. Manuel Antunes lecionou na Faculdade de Letras a disciplina de História da Cultura Clássica, transversal aos cursos de Letras (Filologias, História, Filosofia).

A sua voz era escutada pela capacidade de analisar e debater os grandes dinamismos da História humana, especialmente da Europa e do Ocidente. Manuel Antunes lecionou na Faculdade ao longo de quase trinta anos (entre 1957 a 1983), e foi professor de gente que tem desempenhado e desempenha missões importantes na estrutura social e mental do país, e que o recordam pelo seu conhecimento, capacidade pedagógica e sobretudo por aquela grande sabedoria que lhe transparecia nas palavras. Foi igualmente diretor e redator da revista Brotéria, que os jesuítas publicam regularmente desde 1902, revista de pensamento cristão, atualmente subtitulada “Cristianismo e Cultura”, por onde perpassam a análise social, a literatura portuguesa e internacional, os grandes temas do pensamento moderno nos diversos momentos, e na qual colaboraram e colaboram figuras notáveis da nossa cultura.

Uma informação da organização deste congresso revela que Manuel Antunes chegou a usar 126 pseudónimos, sob os quais transmitia reflexões e pontos de vista olhados por diversos ângulos, iludindo assim possíveis censuras, e não apenas a censura oficial do Estado Novo. Já lhe foi dedicado um Congresso, em 2005, também na Gulbenkian, como preparação para a publicação das suas “Obras Completas”, realizada em 2012.

Este Congresso agora anunciado para novembro de 2018 manifesta a intenção de um amplo alargamento de temas, orientado também para a formação de docentes, como se refere nos seus objetivos: “Pensar a educação em Portugal e os desafios que a integração europeia e a globalização colocam, no quadro do esforço de adequação de conteúdos e de métodos”, no quadro mais alargado da análise do pensamento e dos movimentos mentais do presente e do passado. Manuel Antunes é o titular referencial do prémio Criado pela Conferência Episcopal Portuguesa, com o título “Prémio Árvore da Vida Padre Manuel Antunes”, que procura galardoar figuras relevantes da cultura e da arte de inspiração cristã na nossa sociedade, e que já galardoou artistas, músicos, pensadores, pedagogos, homens do teatro, do cinema e da informação.

Homenagem certamente ao seu titular, à sua ação cultural, mas sobretudo orientado para uma dimensão da presença do espírito cristão nas dinâmicas da sociedade. Esse foi de facto o grande escopo da ação cultural e pedagógica de Manuel Antunes: discernir e explicitar como o espírito humano vai descobrindo caminhos e desvendando rumos para uma humanidade mais equilibrada, mais justa e mais fraterna.

É significativa a imagem com que se anuncia o Congresso de novembro: Manuel Antunes, na sua roupagem escura, camisola de gola alta e chapéu, ar compenetrado adivinhando um sorriso, livro volumoso na mão (pode nem sequer ser a Bíblia) entre um grupo de estudantes, entre o sério, o risonho e o afetivo, onde poderão por certo ver o seu rosto algumas figuras da sociedade de hoje. Da sua obra completa, sobressaem títulos bem expressivos, para além das temáticas da sua docência (como “Teoria da Cultura” ou “Estudos de Cultura Clássica”), de que sobressaem o visionário “Repensar Portugal” (1979), “Educação e Sociedade” ou “Ensaios Filosóficos”. As dinâmicas do seu pensamento podem encontrarse no volume “Portugal, a Europa e a Globalização”, organizado e apresentado por José Eduardo Franco (Ed. Bertrand).

Dele se pode registar a referência de Eduardo Lourenço, que o chama “conciliador nato, mas não eclético”, ou a de Almada Negreiros que disse “este homem é só espírito”. Entre os que seguiram os seus cursos estão figuras como Marcelo Rebelo de Sousa, Jaime Gama, Lídia Jorge, Luís Miguel Cintra (que já recebeu o prémio com o seu nome), ou José Barata Moura.

Que o seu exemplo continue a frutificar, como fonte de algo que parece ir escasseando: a sabedoria.