Os caminhos virtuosos dos arquitetos portugueses

Foto: João Lopes Cardoso

Por M. Correia Fernandes

Vários arquitetos portugueses se têm sido objeto de referência informativa pela sua criatividade e pelo reconhecimento internacional dela. Os casos mais distinguidos ultimamente foram os de Eduardo Souto Moura, que recebeu o Leão de ouro em Veneza, atribuído pela adaptação a hotel das edificações tradicionais de um “monte” alentejano, tendo já recebido o Prémio Pritzker pelo conjunto da sua obra. Outro nome sempre presente é o de Álvaro Siza Vieira, também distinguido com o mesmo prémio (em 1992), além de muitos outros galardões ao longo dos anos.

Há tempos, em janeiro de 2016, recebemos a notícia da morte de Nuno Teotónio Pereira.

Há dias, em 7 de junho de 2018 foi anunciado o falecimento de Luís Vassalo Rosa, aos 83 anos, em Lisboa, segundo informou a Ordem dos Arquitetos, onde ocupou o cargo de provedor.

Vassalo Rosa foi o arquiteto responsável pelo projeto e obra da Catedral de Bragança.

A Diocese de Bragança-Miranda “recebeu com tristeza a notícia do falecimento” e evocou a homenagem pública prestada ao arquiteto, a 25 de março de 2017.

Vassalo Rosa referiu-se então à Catedral como “um corpo vivo que acolhe e se enriquece com os contributos que sinalizam o tempo da sua renovação, segura na memória da sua vida, confiante na modernidade que antecipa o futuro do caminho a percorrer”.

O Bispo de Bragança-Miranda enviou uma mensagem: “Dando graças a Deus pelo dom da sua vida, a Diocese apresenta à sua esposa e família as mais sinceras condolências. Rezamos ao Senhor e fonte da Vida que o acolha no Reino da Luz e da Paz”, tendo sido celebrada uma Eucaristia em sua memória, na igreja da antiga Sé, em Bragança.

A Diocese recorda que o projeto de Luís Vassalo Rosa, datado de 1963, “ganhou vida com o lançamento da primeira pedra, em 1982, daquela que viria a ser a última Catedral do século XX”, numa obra que reuniu depois trabalhos de Mário Silva, José Rodrigues, Ilda David e Graça Morais, bem como do escultor António Alfredo, o eng. Carlos Lima e a paisagista Mª Evira Fonseca. Vassalo Rosa ofereceu à Diocese, na pessoa do

1- Igreja do Marco de Canaveses – Siza Vieira

seu bispo, o espólio de todo o processo do desenho e construção da Catedral, informa o Secretariado das Comunicações Sociais da Diocese.

Se aqui recordamos estes acontecimentos recentes e estes nomes reconhecidos, é porque eles têm em comum uma dimensão central da sua criatividade: são autores de projetos de igrejas em vários pontos dos país.

Recordemos então:

Souto Moura foi também reconhecido em Veneza por ser o autor da capela da Santa Sé na Bienal de Arquitetura de Veneza com as «Vatican Chapels», um conjunto de 10 capelas de arquitetos internacionais, na ilha de San Giorgio Maggiore (uma das ilhas de Veneza), entre as quais uma de Eduardo Souto de Moura. Segundo o presidente do Conselho Pontifício da Cultura da Santa Sé, cardeal Gianfranco Ravasi, esta presença católica quer ser uma peregrinação em 10 etapas, para “crentes e não-crentes”, em edifícios que têm como sinais tradicionais dos espaços de culto “o ambão e o altar”.

Por sua vez, Siza Vieira correu mundo e fez correr gente até nós pela sua igreja de Santa Maria, no Marco de Canaveses, louvada como obra emblemática da moderna arquitetura, apesar de ter os seus detratores, como sempre acontece nas grandes obras. Consagrada em 7 de julho de 1996, nos seus 20 anos mereceu a visita do mesmo cardeal Ravasi, que reconheceu nela um exemplo emblemático da relação entre a fé e a cultura.

Nuno Teotónio Pereira (1922-2016), por entre os seus trabalhos de edificação de habitação social, é autor de duas igrejas: a do Coração de Jesus em Lisboa,

que mereceu também o prestigiado Prémio Valmor de arquitetura (1975), e

que foi pioneira de um novo conceito na ordenação do espaço celebrativo nas novas igrejas, e também da igreja paroquial de Almada, de planta longitudinal.

2- Igreja de Coração de Jesus – Nuno Teotónio Pereira

3- Santuário de Santo António – Agostinho Ricca

A estes há que acrescentar o nome de Agostinho Ricca Gonçalves (1915-2010), autor do projeto da igreja de Nossa Senhora da Boavista (1979), com vitrais de Júlio Resende e Zulmiro de Carvalho, e agora recordado pelos 25 anos do santuário de Santo António, em Vale de Cambra, que possui uma imagem de Santo António, do escultor José Rodrigues, vitrais do pintor Domingos Pinho, um sacrário do escultor Zulmiro de Carvalho, e um quadro do Batismo de Jesus do pintor Avelino Leite, junto à fonte batismal.

São aliás visíveis as semelhanças da construção arquitetónica entre um e outro templo.

Haveria que estabelecer confronto com as catedrais que enchem o mundo, as românicas, as góticas, as renascentistas, as barrocas, até à modernidade. Todas são obras de arquitetos que neles plasmaram as suas visões de construção, e que por elas, muitos anónimos, mas grande parte ficaram conhecidos.

Talvez entre nós o mais conhecido seja Nicolau Nasoni, pela sua igreja e torre dos clérigos. Se dermos um salto ao Brasil, logo encontramos Óscar Niemeyer (1907-2012), que apesar de filocomunista construiu a catedral de Brasília, ou a igreja de S. Francisco em Belo Horizonte. Mas importa lembrar o caráter pioneiro de Le Corbusier (1887-1965) e a sua célebre capela de Notre-Dame du Hault, modelo ou sugestão de novas construções.

Os grandes arquitetos antigos fizeram palácios e os modernos blocos residenciais, ministérios  ou arranha céus. Mas a grandeza do seu nome fica plasmada na espiritualidade de uma construção de inspiração do universo sagrado.

Esta nossa referência nominal não nos deve fazer esquecer tantos outros arquitetos que pelo país e pelo mundo construíram igrejas. Lembremos Fernando Abrunhosa de Brito (1934-2016), autor da remodelação da capela do Seminário Maior do Porto e do projeto para o seminário da Boa Nova em Valadares; Luís Cunha (n. 1933), autor das igrejas do Carvalhido e do Centro Social de Nevogilde, no Porto, entre outras, como a de Cristo Rei em Almada ou a de Portela de Sacavém. Não esqueceremos Mário Morais Soares, autor da igreja da Senhora do Porto, e seu filho Vasco Morais Soares, autor da igreja de S. Paulo do Viso e da igreja nova de Ramalde.

Tudo isto nos pode fazer perguntar se é a arquitetura que inspira as igrejas ou se são as igrejas que inspiram a arquitetura. O mais plausível é ver nelas uma relação umbilical de interação criadora, que mostra que no mais funcional e prosaico da vida há sempre um lugar para a busca do sagrado. As figuras que lembramos, entre tantas outras, são disso eloquentes exemplos.

PS – Já depois de escrita esta crónica, recebemos a notícia do falecimento do Arquiteto Vasco Morais Soares. no dia 6  de junho de 2018. Esteja na serena paz do paraíso. Aqui deixamos também uma homenagem ao arq. Alberto Machado Solla Campos (+ 2015), que integrou ao longo de vários anos a Comissão Diocesana de Infraestruturas