Editorial – D. António Barroso, uma dinâmica da evangelização

Por M. Correia Fernandes

D. António Barroso não foi canonizado, nem beatificado. Mas devia tê-lo sido já. Foi declarado venerável por decreto do papa Francisco, em 9 de agosto de 2017, o que encheu de alegria o então Bispo D. António Francisco dos Santos, que considerou ser uma graça para a Diocese. O percurso da sua vida revela e demonstra alguém que poderia partilhar integralmente o epíteto de apóstolo dos povos, como Paulo, Barnabé ou Francisco Xavier. No seu tempo de Bispo do Porto havia que dissesse: “O Bispo é um santo”.

Foi um santo positivo e dinâmico. Resistiu às injustiças do poder. Soube proclamar que as leis  injustas devem ser denunciadas e há razões de justiça para as não observar, como escreveu:  “Nunca fugi ao cumprimento dos deveres de cidadão português, de padre e de Bispo. Recebendo o castigo que me foi imposto [o exílio forçado da sua diocese], protestarei contra a ilegalidade do mesmo”. A sua bondade não impede o sentido da justiça nem a defesa dos direitos como pessoa e como responsável da Igreja.

Os seus escritos possuem densidade espiritual e pastoral, mas são também humanamente vigorosos e determinados. Eram voz profética. A sua ação de missionário foi de um tal dinamismo que continua lembrado nas terras do Congo. Lançou-se na evangelização com uma força que ainda hoje poderá lançar apelo e exemplo.

No colóquio realizado na casa episcopal em 7 e 8 de junho vieram ao de cima aspetos da sua personalidade e da sua ação que devem dar força à ação da diocese e da Igreja nos dias que correm. A atenção constante à ação pastoral na diocese mostra uma capacidade rara de dar resposta às exigências de uma dinâmica evangelizadora interveniente e viva. Pela sua palavra passam gestos de profeta corajoso, de bispo sem medo dos poderes despóticos, ao mesmo tempo inquieto pelas propostas e orientações missionárias, pela valorização da vida religiosa, pelo discernimento pastoral, pela renovação de processos e de métodos pastorais.

Na comunicação de D. Carlos Azevedo, que pôde compulsar  muitas das suas cartas, revelou-se o lançamento de projetos inovadores, como a criação de comissões paroquiais para governo e orientação das paróquias, sugerindo uma dinâmica de participação dos leigos nos projetos e responsabilidade nas decisões. Perpassa também a intenção de valorizar o conhecimento e a fundamentação teológica, postulando a necessidade da criação de estudos teológicos que fundamentassem e dinamizassem a ação pastoral. É certamente nota relevante da sua ação a extraordinária coragem e capacidade de decisão para enfrentar os poderosos quando se esquecia o sentido da justiça e dos direitos dos cidadãos.

Porém, a dimensão mais reconhecida  da sua personalidade humana e episcopal era a bondade: “bondade enternecida, profunda, enorme, irreprimível, desbordante”, como dizia o cónego Correia Pinto em 1927; ou a sua serena bondade na defesa dos direitos da Igreja, a sua “serenidade inalterável”. “No seu coração só havia lugar para o bem”, escreveu o testemunho da Câmara Municipal do Porto, que salienta “o seu espírito superiormente elevado e culto”.

Neste ano em que brevemente se recordará o centenário da sua morte, ocorrida em 31 de agosto de 1918, originando uma impressionante manifestação de pesar de toda a cidade e diocese, o sentido da toda a sua ação pode ser resumido na palavra de Carlos Azevedo, quando recorda a expressão de alguém que chorava “o nosso amantíssimo Bispo”, que, não tendo completado 64 anos (5 nov. 1854-31 ago.1918) passou fazendo o bem.

Que os cristãos do Porto e de Portugal, e todos os filhos da Igreja saibam reconhecer a bondade e a grandeza de caráter e de espiritualidade simples, modesta e trasbordante deste Bispo do Porto. A passagem de um século bem pode ser a motivação do reconhecimento formal do que todos sentem: a sua santidade.