D. António Barroso, missionário e bispo, entre a Monarquia e a República

O Paço Episcopal do Porto acolheu nos dias 7 e 8 de junho um Colóquio sobre D. António Barroso, no centenário da sua morte. Em análise a sua vida e ação pastoral no contexto político, social e eclesial da época. Foi missionário em África e na Índia. Pastoreou a diocese do Porto de 1899 a 1918. Viveu o exílio durante a Primeira República. Com firmeza, visão pastoral, autenticidade, liberdade e simplicidade evangélica

Por Rui Saraiva

António Barroso nasceu em Remelhe, Barcelos, em 1854. Frequentou o Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e foi ordenado presbítero, em 1879. Parte como missionário, ao serviço do Padroado português, em Angola e Congo, em Moçambique e em Meliapor. Foi daqui que partiu a reflexão dos participantes no Colóquio: “Entre a Monarquia e a República. Os tempos de D. António Barroso no centenário da sua morte (1918-2018)”. Todos os conferencistas prestaram declarações à VP, que aqui sintetizamos.

A sociedade, o Estado e a Igreja entre a Monarquia e a República

No primeiro dia do colóquio sobre D. António Barroso, 7 de junho, foi desenvolvido um tema de contexto e de enquadramento histórico, político e social da ação do missionário português: “A sociedade, o Estado e a Igreja entre a Monarquia e a República”.

A primeira comunicação foi proposta pelo prof. Jorge Fernandes Alves, que abordou algumas linhas interpretativas do século XIX em Portugal. Nela referiu uma importante conferência do missionário António Barroso na Sociedade de Geografia de Lisboa em finais do século XIX. À VP, Jorge Fernandes Alves, salientou que, na citada conferência de D. António Barroso, o futuro bispo do Porto, revelou as suas preocupações sobre a “captação dos traços culturais” nas zonas de missão em África e a necessidade de “organizar missões para evangelizar as populações”. Para tal propunha “missionários indígenas” e “missionárias” que revitalizassem as missões africanas. Destaque para os elementos simbólicos da cruz e da enxada propostos pelo missionário Barroso. O primeiro como símbolo da paz e da fraternidade e o segundo assumindo a simbologia do trabalho.

A propósito da realidade histórica da secularização e da laicidade na sociedade portuguesa nos inícios do século XX, o prof. Fernando Catroga sublinhou que as dificuldades que sofreram os bispos portugueses no período da Primeira República e, em particular, o exílio de D. António Barroso, foram resultado da “intransigência da época”. Nesta mesma linha de reflexão se incluiu o prof. Matos Ferreira que caracterizou D. António Barroso como “firme” e “moderado” no âmbito do processo de separação entre a Igreja e o Estado. Barroso, bispo do Porto, foi um homem lúcido que pugnou por uma “separação justa” – salientou ainda Matos Ferreira à VP.

No contexto missionário português e na sua evolução histórica, grande relevo para o Padroado Português do qual foi funcionário António Barroso, no início da sua vida missionária, logo após os seus estudos em Cernache do Bonjardim no Seminário das Missões. A isto se referiu o prof. Hugo Dores nas suas declarações à VP recordando que a República “não extingue o Padroado”. Sublinhou que, por exemplo no caso do padroado asiático, cuja Concordata era de 1886, o regime republicano declarou no texto da Lei de Separação que ”não prescindia do Padroado” asiático – afirmou Hugo Dores.

Sobre o clero português nos finais do século XIX e inícios do século XX, interveio neste Colóquio o prof. Sérgio Ribeiro Pinto que lembrou ao nosso jornal a defesa que D. António Barroso fez dos padres pobres num tempo histórico conturbado onde chegou a ser criada uma Liga do Clero Paroquial em 1907.

Vida e ação pastoral de D. António Barroso

O segundo dia deste Colóquio, 8 de junho, foi dedicado ao estudo da vida e ação pastoral de D. António Barroso, no tempo histórico em que viveu, sobretudo na diocese do Porto. Realce para a conferência do Cónego Adélio Abreu que abordou a evolução histórica da igreja portucalense nas últimas décadas do século XIX. Nas suas declarações ao nosso jornal assinalou que D. António Barroso trás para o Porto uma pastoral “muito atenta à realidade”, em particular “às realidades sociais”. D. António Barroso sempre afirmou que “não estava contra a República” – afirmou o Cónego Adélio Abreu sublinhando que o bispo do Porto foi um homem corajoso, por exemplo, quando assumiu divulgar a “pastoral coletiva” que tinha sido proibida pelo Governo da República.

Sobre o percurso de D. António Barroso visto desde a sua terra natal, Remelhe, em Barcelos, e a consequente evolução para uma vocação missionária, interveio o padre jesuíta e diretor da revista Brotéria António Trigueiros. Nas suas declarações à VP sublinhou a frase que D. António Barroso inscreveu no seu testamento: “pobre nasci, rico não vivi e pobre quero morrer”. Recordou também que na pequena igreja medieval da sua aldeia ordenou na clandestinidade muitos padres e diáconos durante o seu exílio. O padre Trigueiros salientou ainda que uma das memórias que fica de D. António Barroso é o seu forte sentido de humor.

Por sua vez o vice-postulador da causa de beatificação de D. António Barroso, o Dr. Amadeu Gomes de Araújo, referiu à VP que foi por sugestão de D. António Barroso que foi criada a Sociedade Missionária da Boa Nova. Algo que o jovem missionário António Barroso amadureceu na sua experiência em África, tendo-se apercebido das lacunas da sua formação para a vida missionária. O Dr. Amadeu Araújo sublinhou que as missões católicas naquela época eram “feitorias políticas”.

Finalmente, na conclusão dos trabalhos deste Colóquio foi conferencista o bispo D. Carlos Azevedo, Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura na Santa Sé. Abordou o perfil de D. António Barroso como bispo portucalense e, nas suas declarações à VP, salientou que o bispo do Porto era um homem frontal e decidido, munido de uma “verticalidade e uma autenticidade” capaz de ter “liberdade” nos pareceres que dava à Santa Sé, revelando “uma autonomia em relação a qualquer jogo que não estivesse de acordo com o Evangelho”. D. Carlos Azevedo assinalou ainda que D. António Barroso “não tinha medo de dizer que discordava de certas normas da Santa Sé”. Um homem que “pegava no Evangelho aplicando-o ao concreto dos tempos” – disse o Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura.

No final dos trabalhos deste Colóquio foi lançado o livro “Dos Homens e da Memória: contributos para a história da Diocese do Porto”. A apresentação desta obra do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa foi proposta pela prof. Maria de Lurdes Correia Fernandes. Um livro que conta com a coordenação do Cónego Adélio Abreu e do prof. Luís Amaral e que recupera as intervenções produzidas no âmbito do Seminário de História Religiosa de 2015 subordinado ao tema: “Dos homens e da memória: os tempos da Diocese do Porto”.