Editorial – Uma crónica para Rui Osório

Por Jorge Teixeira da Cunha

Morreu o Cónego Rui Osório (1940-2018), que dedicou o melhor da sua vida sacerdotal ao jornalismo. Quem com ele conviveu sabe que essa não foi apenas a sua profissão, mas uma forma assumida de apostolado. As duas coisas, a competência e o testemunho, foram vividos com uma discreta e notável harmonia. Desde a sua juventude, cultivou com ardor esse gosto pessoal, preparou-se para isso com um curso apropriado feito na Universidade de Navarra e, com o assentimento do então Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, decidiu integrar os quadros de um jornal de grande circulação. Foi-lhe dado viver desta forma incomum a sua vida de padre, num tempo de mudança cultural e de ajornamento do esforço evangelizador da Igreja.

A atitude da Igreja para com a comunicação social sofreu uma notável mudança. Passou-se de um esforço por promover o que se chamava “a boa imprensa”, para uma valoração evangélica da era que vivemos, caracterizada pela comunicação massiva de conteúdos, tanto pelos meios que hoje são manuseados por profissionais, como pelas ditas redes sociais, em que entram as pessoas comuns. A comunicação social da Igreja tem tido as suas dificuldades para se situar neste novo contexto. Várias tentativas de entrar nesse mundo de alta competição têm levado ao fracasso e estamos longe de ter atingido uma reflexão madura sobre o modo como devem fazer-se presentes os valores de uma cultura evangélica neste mundo de comunicações instantâneas, tanto editadas como emitidas em bruto. O caso da Rádio Renascença é um exemplo de sucesso de uma iniciativa da Igreja, a qual tem sido viável com uma relativa preocupação por evitar a confessionalidade declarada na parte principal do seu funcionamento.

Mas o ponto principal do mundo das comunicações nem sequer é o do estilo e dos meios. É o efeito de construção social da realidade mediante essa aparente transparência. De facto, passou-se de um universo em que se pensava que a realidade do mundo era firme e de uma convicção segundo a qual quanto mais e melhor se comunicasse mais nível de realidade se conseguia. Juntando o sal do Evangelho, tinha-se como resultado a evangelização do mundo. Ora, nos dias que correm, todo isto caiu como um castelo de cartas. A comunicação deixou de ser transparente e é hoje um lugar de luta pelo poder e pela hegemonia cuja agenda é difícil de entender. Por isso, mover-se no mundo das comunicações é efectuar “uma cuidadosa escolha entre restos”, como disse um dia Sophia de Mello Breyner sobre a poesia de hoje.

Temos muito que andar para ter pé no mundo alagadiço dos média e para evangelizá-los dentro da sua própria lógica de funcionamento. O exemplo de Rui Osório é muito válido, se visto desde esta preocupação. E que entre os homens da Igreja de hoje outros apareçam com o jeito e a ousadia para seguirem essa via sem perder a alma.