Em memória de Rui Osório

A notícia conheceu-se na manhã da solenidade do Corpo de Deus, 31 de maio de 2018. Dois dias antes tinha-lhe telefonado a perguntar se poderia enviar a sua habitual coluna, já que no domingo 27 tinha retomado no Jornal de Notícias a sua habitual página. Respondeu-se: “Sinto-me cada vez mais fraco e não tenho capacidade para escrever mais nada”.

Por M. Correia Fernandes

A sua última crónica neste semanário diocesano, publicada na edição de 16 de maio de 2018, intitulava-se “Eloquência no silêncio”. Nela escrevia: “Sou homem de palavra, oral e escrita. Pouco mais sei do que comunicar e ouvir as respostas possíveis às mensagens. Quem me dera voltar ao normal. Mas ainda não me é possível, nem sei quando. Até lá garanto-vos que estou na eloquência do silêncio, aprendendo o essencial para mim, para vós, queridos leitores, e, como só desejo, para Deus até que Ele seja tudo em todos. Até breve!”.

Foi assim sentida esta brevidade da sua vida, 77 anos, até 31 de maio, dia do Corpo de Deus, dia da Visitação de Nossa Senhora.  Homem de palavra, dá-nos agora a sua “eloquência do silêncio”.

Antes foi a eloquência da palavra, que começou desde cedo, quando ainda como estudante de Teologia no Seminário do Porto começou a transmitir mensagens na rádio, em tempos de Concílio. Veio depois a ordenação em 1964, os anos de formação em jornalismo e a grande tarefa da sua vida, no quadro do sacerdócio assumido: Desde 3 de janeiro de 1970, sob editorial de D. António Ferreira Gomes, regressado como Bispo do Porto (intitulado “Ser ou não ser…”), e a direção de M. Álvaro V. de Madureira (em texto intitulado “Linhas de ideário”), assumia a tarefa de Chefe de Redação da Voz Portucalense.

A Voz Portucalense assumiu-se desde cedo como voz de atenção às realidades eclesiais, sociais e culturais do país. Por ali passavam as grandes questões e os grandes projetos de uma Igreja pós-conciliar, inserida na sociedade e nos problemas que se enfrentavam. Passavam por ali os temas da Igreja, do país e do mundo, a televisão, o cinema, os acontecimentos culturais, os projetos diocesanos e eclesiais. Ser o chefe de redação era tarefa exigente, em tempos de tecnologias próprias da época, mas exigentes como dispêndio de tempo e sobretudo de presença e dedicação. Isso fazia Rui Osório, como posso testemunhar ao entregar semanalmente no n.º 10 da Praça da Batalha a colaboração sobre cinema, com que participávamos como leituras da sociedade.

Vieram depois os tempos do Jornal de Notícias, projeto que o Bispo aceitou e apoiou como forma de uma presença da Igreja nos grandes órgãos de comunicação. Ali foi Rui Osório uma presença profissional atuante, que o fez percorrer os meandros da sociedade mediática  e os dramas do mundo, angariando amizades e prestígio profissional e pessoal.

Até que nos primeiros dias de 2006, chegado o tempo da aposentação das tarefas jornalísticas, assumiu, a condução da paróquia da Foz do Douro. Ali promoveu a valorização pastoral, artística e comunicacional da paróquia e da sua igreja, uma das arquitetonicamente mais equilibradas da cidade do Porto, de herança beneditina setecentista, que procurou valorizar publicando um volume que recolheu a sua história, a sua dimensão pastoral e religiosa, que intitulou: Tesouro Barroco da Foz do Douro”, obra editada pela Paróquia. O seu interesse pela história e fundamentação do presente manifesta-se em outra obra mais recente “Foz do Douro, de 1216 a 2016: 800anos da paróquia de S. João da Foz do Douro”, também em edição da paróquia.

Não perdeu nunca a vontade de comunicar: na rádio e na televisão, em programas de análise e debate das questões fronteira, em palavra próxima e fluente.

Parte um amigo dedicado e colaborador assíduo desta Voz Portucalense, para a qual enviava religiosamente a sua reflexão interventiva, atenta e lúcida, como testemunham os leitores.

As grandes vozes não se calam nunca. Por vezes o seu silêncio transforma-se em eloquência. Aqui permanece ele na “eloquência do silêncio”.