As dimensões políticas da fé

Editorial

Por M. Correia Fernandes

A glória de Deus é que deis muito fruto (Jo. 15,8) No mês de maio de 1973 publicava a Livraria Editora Telos, da Diocese do Porto, antecessora da atual Fundação Voz Portucalense, um volume da autoria de René Coste, com o título, que então levantava alguma desconfiança, ou até animadversão, de “Dimensões políticas da fé”. Nele o autor francês da Universidade de Toulouse propunha que a condição de homem de fé implicava um empenhamento político, uma intervenção na sociedade e na sua condução pelas estruturas instituídas e capacidade de intervenção.

Nas conclusões propostas afirmava “é uma exigência da fé comprometer-se, com todas as forças, na libertação dos homens”, não em abstrato mas por empenhamento concreto. Esta dimensão do indispensável empenhamento do cristão nas estruturas da sociedade, hoje comumente aceite, embora não muito praticada como era desejável, foi lembrada num encontro de médicos católicos, em que foi afirmado por um estudante de medicina, segundo divulgou a Agência Ecclesia, que a profissão e a ação de um médico tem que ter uma dimensão essencial de abertura ao próximo. Não pode ser apenas uma ação de técnico, mas uma intervenção humanizada. Pode ser também essa a dimensão reconhecida pelo Presidente da República ao agraciar com a Ordem do Infante D. Henrique a família franciscana pelos relevantes serviços prestados ao país ao longo dos 800 anos da sua presença em Portugal.

O mesmo se poderá referir de tantas outras ordens religiosas que contribuíram no passado e contribuem no presente, e queira Deus que também no futuro, para uma sociedade portuguesa mais justa, equilibrada e fraterna. Importa que seja lembrado que a ação civilizacional dos Descobrimentos foi obra de muitas congregações religiosas (além dos franciscanos, lembrem-se os dominicanos e os jesuítas) que acompanharam a saga das descobertas com a presença do ideal cristão, de dignidade e humanidade que nem sempre os conquistadores e colonizadores souberam respeitar.

Esta dimensão da presença da Igreja na sociedade e na história do país e da Europa e do mundo, foi-me sugerida pela palavra do Evangelho deste quinto domingo pascal: a glória de Deus é a presença e atitude da gente de fé. A glória de Deus não está nas grandezas, nas maravilhas e nos milagres que procuram as gentes, mas na ação criadora dos homens. A edifi cação da Justiça e da Paz no mundo é certamente dom de Deus, mas tem de ser executada pelos homens. As dinâmicas da sociedade que possam conduzir a uma relação mais justa e fraterna entre povos e comunidade humanas constitui o âmago da mensagem evangélica.

No citado livro, René Coste insere esta afirmação: “a história do homem é, enquanto história de Deus entre os homens, história da aliança universal e da universal convocação para o Reino”, citando um documento do Sínodo dos Bispos em 1971, com o tema “A justiça no mundo”. Como podemos observar, estes temas são recorrentes e continuam como ideais difíceis de conseguir. As relações entre a democracia e o poder são complexas e cheios de escolhos. No entanto não podemos perder de vista os ideais, Afinal toda a proposta de Jesus é um ideal e uma utopia escatológica. Toda a história da Igreja é constituída pela busca humana dessa utopia divina. Aí está a sua grandeza e as suas limitações.