“Como uma família cristã”

Em entrevista à VP, Henrique Manuel Pereira, realizador do filme “Um Milagre todos os dias”, recorda que o “santo” padre Américo várias vezes se referiu ao Lar das Irmãzinhas dos Pobres no jornal “O Gaiato” com palavras de admiração e gratidão. Revela ainda que o saudoso bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, era visita frequente e discreta daquela instituição. O filme “Um Milagre todos os dias” será apresentado no dia 5 de maio pelas 21.30h no Auditório Ilídio Pinho na UCP-Porto no Campus Foz.

Entrevista conduzida por Rui Saraiva

VP: Como surgiu a ideia deste documentário?

HM: Curiosamente, surgiu primeiro sob a forma de um livro sobre a presença e ação das Irmãzinhas dos Pobres no Porto. E certa tarde, no Calvário, em Beire, partilhei esse desejo com D. António Francisco. Fiquei sensibilizado ao ouvi-lo falar do seu enorme apreço por elas. Conhecia-as muito bem e só depois soube das discretas e frequentes deslocações que fazia ao Lar. Acordámos que seria ele a prefaciar o trabalho. Depois foi o que se sabe e, tomo agora consciência disso, a ideia do livro deu prioridade à do documentário. O Lar das Irmãzinhas dos Pobres foi, durante anos, a extensão da minha casa. Ali viveu minha Mãe porventura dos melhores momentos dos seus dias. Vivi e testemunhei muita vida, fragilidade e grandeza, sem aceção de pessoas, que nunca serei capaz de testemunhar nem agradecer devidamente. Tornou-se-me, pois, imperioso dar a conhecer a extraordinária ação das Irmãzinhas dos Pobres. Falei a um pequeno grupo de alunos da Escola das Artes e…

VP: Este documentário recolhe dezenas de depoimentos. De que nos falam estas pessoas?

HM: De modo explícito, falam-nos da vida, de pequenos pedaços da vida de cada um, de fragilidade, de solidão, de grandeza, de contentamentos e da alegria, da história da casa e das pequenas histórias e peripécias que nela são vividas, de Joana Jugan, fundadora das irmãzinhas, etc. Residentes, funcionários, voluntários, benfeitores… sem encenação nem ficção, falam da bênção que aquela Casa representa. De modo implícito, falam-nos de Deus. À maneira de Kazantzákis: “- Irmã árvore, fala-me de Deus. / E a árvore cobriu-se de flores…”

VP: Como descreveria atividade do Lar das Irmãzinhas dos Pobres?

HM: Como a de uma família cristã – usamos tão abusivamente esta palavra, sobretudo no âmbito das instituições, que hesito em dizê-la, mas não me ocorre outra mais ajustada. Dizendo isso, diz-se tudo: amor, dedicação,
generosidade, birras e ciúmes, refeições, limpezas, oração, cansaços, festa, preocupações, despedidas…

VP: Tratar das pessoas idosas mais desfavorecidas é “Um Milagre todos os dias”?

HM: Sim, e fazê-lo tendo necessidade de diariamente sair à rua a pedir ajuda para o poder fazer… e que isso aconteça com uma enorme dignidade, numa época em que “o orgulho, a busca da eficiência e a tentação dos meios poderosos circulam no mundo com muita facilidade e algumas vezes, infelizmente, na Igreja”, como escreveu João Paulo II… isso são inequívocos e eloquentes “sinais da presença de Deus na história”.

VP: Qual o objetivo deste documentário?

HM: Dar a conhecer e despertar para o extraordinário carisma e invulgar ação das Irmãzinhas dos Pobres, no que respeita, em particular, à sua irradiação no Porto, onde se encontram presentes desde 1895. Não por acaso, em O Gaiato, o nosso “santo” Padre Américo, tantas vezes, expressou por elas o seu apreço, admiração, gratidão. Sim, devíamos estar-lhes gratos por elas fazerem sempre, em cada dia e hora, madrugadas incluídas, o que nós tão poucas vezes somos capazes de fazer: ter tempo, cuidar, amar aqueles que aos olhos de muitos são tão só máquinas inutilmente avariadas e incómodas.

VP: O filme contou com apoios?

HM: Com nenhum tipo de apoio financeiro, um cêntimo que fosse. Na verdade, não os pedimos, não houve tempo. Mas contámos, o que não é pouco, com o equipamento da Escola das Artes (câmaras, salas de edição, etc.). Gostaria de sublinhar a entrega e entusiasmo do grupo de alunos que comigo trabalhou e a onda de cumplicidades que o filme foi gerando. Estou muito contente que o filme aconteça no âmbito das comemorações dos 50 anos da Universidade Católica Portuguesa, dos 40 do Centro Regional do Porto e dos 20 da Escola das Artes, onde sou professor. É como se o esforço de tantos que nos precederam e sonharam uma universidade realmente diferente fizesse sentido e os discursos e palavras, tantas vezes de circunstância, ganhassem carne e rosto.

VP: Estão previstas outras exibições deste documentário?

HM: Agendadas ainda não, mas gostaria muito que o filme fosse visionado de norte a sul de Portugal, além-fronteiras, e também por gente “importante” e “desafogada”… Haverá instituições, auditórios salas interessadas em exibi-lo, promovendo depois, por exemplo, uma conversa/debate/reflexão em torno das muitas perguntas que, através do filme, a vida faz? Estaremos disponíveis.