Prémio “Árvore da vida” distingue Ruy de Carvalho

Nos últimos anos a Igreja em Portugal, através da sua Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, tem realizado a atribuição de um prémio de reconhecimento de personalidades pelo valor espiritual, humanista, social e cultural das suas vidas e obras.

Por M. Correia Fernandes

O prémio foi criado como «Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes» em homenagem ao professor, pensador e teólogo que se notabilizou como docente da Universidade de Lisboa, mestre de figuras ilustres em Portugal. Este ano foi agraciado o ator, intérprete de textos poéticos ou literários e agente cultural Ruy de Carvalho. Assim, curiosamente, em dois anos sucessivos a Comissão Episcopal reconheceu o valor cultural e humanista do teatro, já que no ano anterior o premiado fora Luís Miguel Cintra, também ele encenador, autor e ator de criações teatrais. Aliás, o domínio das Artes tem merecido especial atenção dos júris deste prémio, visto que já foi atribuído a um músico (Eurico Carrapatoso), a uma artista plástica (Lurdes Castro) um arquiteto (Nuno Teotónio Pereira) e um cineasta (Manoel de Oliveira). A decisão foi anunciada em 11 de abril, em comunicado da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.

A ata do júri realça o percurso de Ruy de Carvalho, de 91 anos de idade, ator, declamador, homem de teatro, elogiando o seu “sentido exemplar da seriedade profissional” e as “implicações culturais da sua presença no espaço público”, bem como “a empatia e a influência positiva exercida na sociedade”. Acentua ainda o texto: “A consciência dos poderes do teatro, do cinema e da televisão encontrou sempre em Ruy de Carvalho uma resposta indutora da elevação humana – numa carreira sintomaticamente iniciada em 1942 com O Jogo para o Natal de Cristo e sempre coerente com o humanismo cristão que inspira a sua visão da vida”. O júri foi presidido pelo Bispo D. João Lavrador, bispo de Angra e presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, e foi integrado pelo padre Américo Aguiar, presidente do Conselho de Gerência do Grupo Renascença; pelo padre António Trigueiros, diretor da revista “Brotéria”; por Maria Teresa Dias Furtado, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; por Guilherme d’Oliveira Martins, administrador-executivo da Fundação Calouste Gulbenkian; e por José Carlos Seabra Pereira, diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. O júri decidiu por unanimidade.

Na justificação salienta-se ainda a representatividade do galardoado nos palcos e nos ecrãs há mais de sete décadas” e o facto de ter sido “distinguido com inúmeros galardões e com altas condecorações do Estado português”, como a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, com que foi condecorado pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em 1 de março de 2017, aquando do seu 90.º aniversário natalício. O júri do “Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes” destaca o percurso de Ruy de Carvalho desde o tempo de “aluno brilhante do Conservatório Nacional”, que passou pela direção artística do Teatro Experimental do Porto (TEP), a experiência como encenador (“Terra Firme”, de Miguel Torga) e a “inesquecível interpretação” do Rei Lear, de W. Shakespeare, e as suas interpretações no cinema, nos filmes “Pássaros de Asas Cortadas”, de Artur Ramos (1963), “Domingo à Tarde”, de António Macedo (1965), “O Cerco”, de Cunha Telles (1969), “Cântico Final”, de Manuel Guimarães (1974), “Non ou a Vã Glória de Mandar”, de Manoel de Oliveira (1990), entre outros. Em “Cântico Final”, adaptação da obra homónima de Vergílio Ferreira, um dos seus últimos romances com uma dimensão autobiográfica, Ruy de Carvalho desempenha o protagonista, escritor que, abalado por um cancro, regressa à sua terra natal para se dedicar à pintura e à meditação sobre o vida e a morte. O realizador de “Cântico Final” não terminou o filme, depois concluído por seu filho Dórdio Guimarães. O júri salienta ainda a sua “energia interpretativa e comunicativa” no teatro radiofónico, nas telenovelas e séries televisivas, “completando uma lição de fecunda longevidade ao serviço do enriquecimento lúdico-cultural de sucessivas gerações de cidadãos portugueses”.

Ruy de Carvalho nasceu em Lisboa, a 1 de março de 1927, estreou-se em 1942, numa peça encenada por Francisco Ribeiro (Ribeirinho), e anunciou a reforma em 1998, quando interpretava “Rei Lear”, de W. Shakespeare, para o Teatro Nacional D. Maria II, mas prosseguiu a carreira durante mais duas décadas, até ao presente. A sua dimensão humanista e cristã está patente numa entrevista à Agência Ecclesia, em 2006, em que falou da sua admiração pela figura de São Francisco de Assis, se apresentou como “um homem de fé e de esperança” e um “cristão da Ressurreição”, afirmando: “Nunca abdiquei dos meus princípios cristãos”. O ‘Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes’, composto pela escultura ‘Árvore da Vida’, de Alberto Carneiro, e um montante de 2500 euros, foi instituído em 2005 pelo então Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, contando com o patrocínio do grupo Renascença Comunicação Multimédia. Nas edições anteriores o Prémio galardoou o poeta Fernando Echevarría; o cientista Luís Archer S.J.; o cineasta Manoel de Oliveira; a classicista Maria Helena da Rocha Pereira; o político e intelectual Adriano Moreira; o trabalho de diálogo entre Evangelho e Cultura levado a cabo pela Diocese de Beja; o compositor Eurico Carrapatoso; o arquiteto Nuno Teotónio Pereira; o pedagogo e antigo ministro Roberto Carneiro; o jornalista Francisco Sarsfield Cabral; a artista plástica Lourdes Castro; o professor de Medicina e Bioética Walter Osswald; e o encenador e ator Luís Miguel Cintra. A sessão de entrega da distinção está prevista para o sábado 2 de junho, em Fátima, integrada no programa da 14.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura.