Por uma Igreja credível, autêntica, alegre e comunicativa

Lançamos aqui um olhar sobre o documento conclusivo da reunião pré-Sínodo dos jovens no Vaticano.

Estiveram no Vaticano 300 jovens a preparar a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, Três eram portugueses. On line participaram mais de 15 mil jovens. Da reflexão surgiu um documento debatido em 20 grupos linguísticos. Lançamos aqui um olhar sobre o documento que os jovens prepararam e entregaram ao Santo Padre no Domingo de Ramos.

Por Rui Saraiva

Desafios e oportunidades dos jovens no mundo de hoje

As duas primeiras partes do documento produzido pelos jovens na reunião preparatória do Sínodo dos Bispos que decorreu de 19 a 24 de março no Vaticano, abordam matérias de contexto, formação e identidade. Desde logo, na primeira parte, os jovens referem-se aos seus desafios e oportunidades no mundo de hoje.

(1) A formação da personalidade

Segundo os jovens, “os momentos cruciais para o desenvolvimento” da sua identidade incluem a opção por uma área de estudos, a escolha de uma profissão, decidir no que acreditar, descobrir a sexualidade e fazer escolhas definitivas para a vida. Para tal contribuem a família, que ocupa posição privilegiada”, mas também os grupos, os movimentos e a própria escola. As paróquias, por sua vez, já não são o lugar de encontro de alguns dos mais novos. Existe hoje o apelo das redes sociais e a influência de outros grupos e contextos sociais que têm papel chave no sentido de pertença dos jovens.

Neste documento os jovens afirmam que “as experiências eclesiais” podem formar e influenciar a formação da sua identidade e personalidade, sobretudo, no aprofundamento de temas como a sexualidade, as dependências, os matrimónios e as famílias em crise e temas socias como a violência, a corrupção e a defesa do ambiente. Para isto, os jovens pedem “inclusão, acolhimento, misericórdia e ternura por parte da Igreja”.

(2) A relação com as outras pessoas

O documento aponta, neste particular da relação com os outros, o ambiente de “multiculturalismo” como tendo o “potencial de facilitar” o “diálogo e a tolerância”. Os jovens afirmam que “não devemos ter medo da nossa diversidade mas valorizar as nossas diferenças e tudo o que nos faz únicos”.

Os jovens consideram que “num mundo globalizado e inter-religioso, a Igreja tem necessidade não somente de um modelo mas também de uma nova elaboração sobre as linhas teológicas já existentes para um pacífico e construtivo diálogo com pessoas de outra fé e tradição.

(3) Os jovens e o futuro

“Os jovens sonham segurança, estabilidade e plenitude” – pode-se ler no documento pré-Sínodo. Mas, em particular, esperam “maiores oportunidades de uma sociedade que seja coerente” e que neles confie. Afirmam que nem todos os jovens acreditam que a santidade seja algo alcançável e um caminho para a felicidade. Por isso, procuram uma Igreja que os ajude a encontrar a sua vocação e sublinham a “necessidade de revitalizar o sentido de comunidade”.

O documento sublinha as preocupações de muitos jovens que sofrem traumas. Lembram os problemas dos que têm problemas mentais ou físicos. Também os problemas da formação universitária, do mundo do trabalho e da emigração. Salientam as problemáticas de “justiça social dos nossos tempos”.

Sublinhe-se que os jovens afirmam no documento que “independentemente do contexto, cada um de nós partilha a mesma aspiração inata por nobres ideais: paz, amor, confiança, equidade, liberdade e justiça.”

(4) Relação com a tecnologia

A tecnologia melhorou a vida das pessoas mas necessitam de uma utilização “prudente” – salientam os jovens. O impacto das redes sociais não é desvalorizado pelos jovens e afirmam serem estes “uma parte relevante da identidade dos jovens e do seu modo de viver”. Ambientes que unem e abrem oportunidades de formação, mas também podem criar isolamento, preguiça e desolação. Podem tornar os jovens “cegos à fragilidade do outro” – lê-se no documento. Sublinham também os desafios que a tecnologia trás à bioética. Assinalam o advento da inteligência artificial.

Os jovens propõem que a Igreja considere a tecnologia “como um terreno fértil para a Nova Evangelização” e, ao mesmo tempo, neste âmbito, dirija a sua atenção à praga da pornografia, incluindo os abusos na rede sobre menores e o cyberbullismo.

(5) A procura do sentido da existência

Segundo o documento pré-sinodal os jovens “não sabem responder à pergunta ‘qual é o sentido da tua vida?’. Os jovens afirmam mesmo que “nem sempre conseguem ligar a vida com o sentido do transcendente’, mas demonstram-se abertos à espiritualidade.

Os jovens declaram neste texto pré-sinodal que a Igreja pode revestir-se de um papel vital na defesa dos excluídos. Por exemplo, promovendo a dignidade da mulher na Igreja e na sociedade.

Uma preocupação clara no texto dos jovens é que o cristianismo é, muitas vezes, visto como algo que pertence ao passado não sendo compreendidos a sua importância para as nossas vidas. Por isso, os jovens “pedem testemunhas autênticas: homens e mulheres capazes de exprimir com paixão a sua fé e a sua relação com Jesus.

Fé e vocação, discernimento e acompanhamento

Os jovens, no seu processo de fé e discernimento estão mais recetivos a uma “narrativa da vida” do que a um abstrato sermão teológico. Assim, é importante compreender “como os jovens percecionam a fé, a vocação e os desafios que se apresentam no discernimento”.

(6) Os jovens e Jesus

Existem várias perceções de Jesus na juventude, onde a aproximação e o afastamento trazem consigo, às vezes, a consciência errónea do modelo cristão como sendo não alcançável.

Para resolver estas confusões que os jovens têm em relação a Jesus é necessário regressar à Sagrada Escritura, para que possam “aprofundar o seu conhecimento da pessoa de Cristo, a Sua vida, a Sua humanidade. Os jovens têm necessidade de encontrar a missão de Cristo, e não aquilo que a eles pode parecer uma expectativa moral inalcançável”.

(7) A Fé e a Igreja

Para muitos jovens a fé tornou-se algo do domínio privado e não um evento comunitário e isso pode ser fruto de “experiências negativas que alguns deles tiveram com a Igreja”. Citados no documento também fatores de afastamento que dizem respeito à Igreja como a de líderes religiosos mais preocupados com a “dimensão administrativa” do que coma “criação de comunidade”.

Em várias partes do mundo “os jovens estão a deixar a Igreja em grande número”. Será crucial perceber os motivos deste fenómeno. Os jovens necessitam de comunidades alegres e vivas. Precisam de autenticidade nas relações e de espaço para participarem ativamente.

Destaque nas conclusões dos jovens para a “falta de clareza sobre o papel das mulheres na Igreja”. Já é difícil os jovens sentirem-se parte da Igreja, mas torna-se ainda mais difícil para as jovens mulheres.

(8) O sentido vocacional da Vida

O documento dos jovens sobre este ponto procura, desde logo, definir o termo vocação. Ocorreu ao longo dos tempos uma perceção que não ligava a “vocação” como sendo um dom de Deus. E, normalmente, era percebido apenas como sinónimo de chamamento à vida religiosa.

Desta forma, “a ideia geral de que a vocação é um chamamento não é clara para os jovens e por isso é necessária uma maior compreensão da vocação cristã” nas suas várias dimensões: presbiterado, vida religiosa, apostolado laical, ao matrimónio e à família e o chamamento universal à santidade.

(9) Discernimento vocacional

Discernir a vocação é um desafio e uma aventura para o jovem, mas também uma oportunidade para a Igreja – pode ler-se no documento conclusivo do pré-Sínodo. Os jovens estão rodeados de múltiplos fatores que influenciam o seu discernimento: as ofertas de trabalho, a pressão social, as expectativas familiares, a vida de oração, o mundo digital, entre outros.

Por isso, são aconselhadas práticas que ajudem a aprofundar a consciência de si próprio como o silêncio, a oração e a leitura da Sagrada Escritura. Em particular, o documento dos jovens realça a importância do desafio que as jovens mulheres têm que enfrentar no momento de discernir a sua vocação e o seu espaço na Igreja. Mais uma vez, os jovens referem a necessidade de um aprofundamento do papel da mulher na Igreja.

(10) Jovens e acompanhamento

Os jovens necessitam de companheiros de caminho para poderem exprimir as suas ideias e conceções da fé e da vocação. Segundo as conclusões dos jovens quem acompanha os jovens não devem ser modelos de fé mas testemunhas vivas que sejam capazes de evangelizar através das suas vidas. Essas pessoas, que funcionar como guias para os jovens, não devem fazer dos jovens seguidores passivos, mas devem caminhar com eles. Este papel de acompanhamento não deve estar só reservado a presbíteros e religiosos mas também a leigos.

A ação educativa e pastoral da Igreja

(11) Estilo de Igreja

Os jovens no seu documento preparatório do Sínodo dos Bispos de 2018 pedem uma Igreja que seja autêntica. Dirigem-se, sobretudo, à hierarquia eclesiástica pedindo uma comunidade transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa, acessível, alegre e interativa.

Os jovens falam ainda de uma Igreja credível que seja sincera no reconhecimento dos erros do passado. De entre os erros os jovens deram espaço relevante na sua reflexão aos casos de abusos sexuais e de má administração das riquezas e do poder na Igreja. Os jovens pedem no seu documento um reforço do princípio de tolerância zero.

Radicar-se em Jesus Cristo é o que também pedem os jovens à hierarquia da Igreja, sendo capaz de comunicar “a Verdade que torna a Igreja diferente de qualquer outro grupo secular”. Para tal os jovens gostariam que os seus líderes fossem capazes de dialogar com a comunidade científica e de tomarem em suas mãos, com particular atenção, as temáticas ambientais.

(12) Jovens protagonistas

A propósito do seu protagonismo na Igreja, os jovens no seu documento pré-sinodal, alertam para a necessidade de formação contínua para os líderes de grupos sejam eles religiosos ou leigos.

Os jovens neste seu documento declaram querer ser uma “presença alegre, entusiasta e missionária no interior da Igreja”. Uma presença criativa, particularmente, “na música, na liturgia, nas artes”. Para tal pedem também mais apoio institucional e económico. Neste documento os jovens declaram-se também como sendo interessados em atividades políticas, civis e humanitárias.

(13) Os lugares a privilegiar

Os jovens esperam que a Igreja os vá encontrar nos lugares onde está pouco ou nada presente. Especialmente, nas estradas e ruas onde se encontram pessoas de todo o tipo. E especificam; bares, cafetarias, bairros, ginásios, estádios e quaisquer outros centros de agregação cultural e social. Mas, não esquecem os orfanatos, hospitais, periferias, zonas de guerra, prisões comunidades de recuperação de dependências e lugares de prostituição. Especial atenção deve ser dada – segundo os jovens – ao mundo digital para que a Igreja esteja acessível através das redes sociais e outros espaços virtuais.

(14) As iniciativas a incrementar

Os jovens desejam “experiências” que possam ajudar a crescer a sua relação com Jesus no mundo real. Em particular, lembram as iniciativas que permitem compreender os sacramentos, a oração e a liturgia. Apresentam ainda tantas das iniciativas que já são desenvolvidas na Igreja como a catequese para os jovens, a pastoral social, retiros, exercícios espirituais, grupos de oração, peregrinações, entre outras.

Relevante no texto dos jovens, o desejo de empenharem-se em temas sociais e de evangelização junto dos que vivem a doença e as dependências. Atenção também para o diálogo entre as várias tradições religiosas e culturais e o combate ao tráfico de seres humanos e de estupefacientes.

(15) Os instrumentos a utilizar

“A Igreja deve adotar uma linguagem capaz de relacionar-se com os usos e os costumes dos jovens, de modo que todos possam ter a oportunidade de escutar a mensagem do Evangelho” – pode-se ler no documento dos jovens  que apresentam os seguintes instrumentos de trabalho:

Multimédia: uma grande oportunidade de evangelização;

Anos sabáticos: períodos de tempo dedicados ao serviço e à missão;

Arte e beleza: evangelização através da música, a arquitetura, o design, etc;

Adoração, meditação e contemplação: silêncio e oração contemplativa;

Testemunho: os modernos testemunhos cristãos e a vida dos santos;

Sinodalidade: o diálogo com a hierarquia da Igreja, cultura de abertura.