Por ocasião do centésimo aniversário do seu nascimento, em 1917, o linguista, crítico literário, autor de numerosos escritos sobre a Literatura Portuguesa, é homenageado na Reitoria da Universidade do Porto, com uma exposição biográfica sobre a sua figura, vida o obra, a qual marca o arranque oficial das comemorações com que a Universidade do Porto quer homenagear a sua personalidade e obra.
Por M. Correia Fernandes
A Universidade do Porto presta homenagem a eminentes figuras da sua história. Este ano a honra cabe a Óscar Lopes (1917-2013), Professor Catedrático de Linguística que se tornou o primeiro diretor da Faculdade de Letras após 25 de abril de 1974 e, mais tarde, vice-reitor da Universidade do Porto.
A informação da Reitoria lembra que “tendo entrado na Universidade apenas em maio de 1974, uma vez que a docência no Ensino Superior lhe foi vetada por motivos políticos durante a ditadura, Óscar Lopes estabeleceu-se como um nome de referência da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde permaneceu como professor de Linguística até à sua jubilação em 1987 e na qual foi fundador da unidade de investigação Centro Linguística da U.Porto (CLUP)”.
Óscar Lopes, intelectual interventivo na segunda metade do século XX e início do século XXI, produziu uma vasta obra ensaística nos domínios da crítica e historiografia literárias, bem como no domínio da Linguística, devendo recordar-se, entre muitas outras obras, a conhecida História da Literatura Portuguesa (em parceria com José António Saraiva) e a Gramática Simbólica do Português – um esboço, projeto financiado e publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Este projeto parece carecer ainda de um desenvolvimento que faça jus a este “esboço” proposto Por Óscar Lopes.
É eloquente o título da exposição: “Óscar Lopes, o Saber de Muitos Saberes”. Com efeito ele distinguiu-se por uma formação em campos de interesse diversificados, que iam desde as línguas clássicas da sua formação original, às literaturas modernas e contemporâneas, com óbvio realce para a literatura portuguesa, em que se tornou um dos mais notáveis críticos da segunda metade do século XX e início do século XXI, passando pela linguística, a história, a filosofia e mesmo a matemática e a astrofísica. Recorda-se que a disciplina que começou a lecionar após a reformulação dos cursos de Letras da Universidade do Porto se chamou “Linguística matemática e computacional”, pretendendo abrir novas orientações para a abordagem e o estudo desta disciplina.
Entre as suas obras, para além da referida História da Literatura Portuguesa publicada em colaboração com António José Saraiva, sobressai ainda outra “História da Literatura Portuguesa” (sobretudo de autores do século XX) publicada por “Estúdios Cor”, e conjuntos de críticas sobre autores do seu tempo, que reuniu com os títulos “Ler e depois: Crítica e Interpretação Literária”, 1 e 2, publicado por Inova, e “Álbum de Família” também sobre escritores portugueses, em que elegeu os mais relevantes, “Entre Fialho e Nemésio”, e “Cifras do Tempo”, reunião de escritos seus em várias publicações literárias ou de pensamento.
Muitos dos artigos que escreveu nos domínios da linguística foram reunidos no volume “Entre a Palavra e o Discurso. Estudos de Linguística 1977-1993”, edição com a coordenação de Fátima Oliveira e Ana Maria Brito, publicada por Campo das Letras.
A quando do seu falecimento em 2017, publiquei neste local a memória de um episódio bem significativo da sua personalidade e da sua curiosidade e postura honesta nos campos científicos e do saber e conhecimento, que agora recordo:
“Discutia-se, numa aula designada de “Pragmática Linguística” um tema dos princípios de Witgenstein, em que a realidade se exprimia em dois níveis de expressão, numa fórmula matemática que creio que todos ficámos a ignorar. A fórmula reduzia toda a realidade plausível nela expressa a mera expressão do concreto e do real.
Concluía Óscar Lopes: Como vêem, nesta concepção do universo não cabe a tese da teologia católica da transubstanciação, da mudança da realidade material para uma realidade espiritual que adquire uma outra substância.
E concluía: Isso também não tem demasiada importância, porque a teologia sempre encontra processos de conhecimento para explicar o inexplicável.
Ponto final. Ninguém comentou, não sei se alguém, incluindo eu próprio, entendeu bem.
O professor continuou a sua explanação”.
Se registo este dado é porque naquela altura me admirou, no meio de sua visão materialista, uma abertura à visão espiritual dos outros. Óscar Lopes era um materialista dialético, membro reconhecido do Partido Comunista, mas com um estranho respeito pelas ideias alheias.
Recordo também a sua vida dedicada à gestão da Faculdade, ele que sempre foi homem de leitura e de crítica. Entre os visitantes, veio um dia o poeta João Cabral de Mello Neto, que teceu rasgados elogios à capacidade e justeza crítica de Óscar Lopes no que se refere à interpretação da poesia.
Visivelmente agradado pela referência, disse-nos um dia: “Eu sei que estas matérias lhes parecem difíceis. Mas sigam o meu exemplo: eu fazia crítica literária, e creio que não o fazia mal, segundo este testemunho; vejam como agora me interesso por estas novas visões da linguagem: deve ser porque merecem atenção”. Ficávamos exemplarmente motivados.
Recorde-se pois, para conhecimento e exemplo de todos, o trabalho insigne e insano de um estudioso que se debruçou como poucos pelas grandezas e misérias dos nossos melhores autores: Herculano, Camilo, Eça, Régio, Vitorino Nemésio, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e outros até aos nossos dias, como Eugénio de Andrade, sobre cuja poesia escreveu “Uma espécie de música”.
Morreu aos 95 anos um homem que marcou momentos da história do pensamento português e não poderá nunca ser esquecido na sua cultura.
A exposição agora apresentada na Reitoria da Universidade do Porto é comissariada pelas docentes da FLUP Isabel Pires de Lima e Maria de Fátima Oliveira, e está organizada em seis núcleos, com exemplares de livros, artigos, cartas, fotografias e outros documentos de Óscar Lopes, que foram cedidos em grande parte pela sua família. Encontram-se também excertos de textos e entrevistas Óscar Lopes, e depoimentos gravados de antigos estudantes seus.
A exposição estará patente na Reitoria da Universidade do Porto até 27 de abril, de segunda a sexta-feira, das 10h às 13h e das 14h às 18h.
As comemorações desta figura Eminente da Universidade e da cultura nacional são complementadas com outros eventos anunciados: Concerto pela Orquestra Sinfónica da FEUP (3 de maio), a conferência “Óscar Lopes e a Linguagem: O Olhar de um Cientista” por Inês Duarte (7 de junho), “Óscar Lopes: o Poder Seminal da Palavra”, uma jornada que contará com a participação de Eduardo Lourenço a vários outros ensaístas, escritores e professores universitários na área da literatura (2 de outubro) e a conferência “Óscar Lopes: Música e Literatura” a cargo do musicólogo Mário Vieira de Carvalho e do maestro José Luís Borges Coelho (22 de novembro).