A CAUSA DAS COISAS
Por António José da Silva
Numa entrevista recente, Vladimir Putin confessou ter mandado abater um avião que transportava mais de uma centena de passageiros, por alegadamente ter sido informado pelos serviços secretos de que entre esses passageiros se encontrava um terrorista disposto a cometer um atentado em Sochi, cidade onde se realizariam os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Só que tratava-se de um falso alarme, pelo que não houve necessidade de recorrer a uma medida tão drástica.
Esta novidade foi dada pelo próprio Putin no decurso de uma entrevista enquadrada na sua campanha eleitoral para as eleições presidenciais realizadas este passado domingo, pelo que deve ser avaliada no contexto da sua estratégia propagandística. O presidente, candidato a um novo mandato, decidiu tornar público esse facto ainda desconhecido, para que os russos tivessem mais uma prova da sua determinação e da sua coragem em tomar decisões difíceis, mas que ele considera necessárias para salvaguardar a vida dos seus concidadãos e a imagem do seu país. Que melhor prova desta determinação do que essa história?
Diga-se, desde já, que Vladimir Putin não precisava de evocar esse episódio para lembrar aos russos a sua capacidade de liderança nos momentos de “perigo”. Bastava recordar as tragédias que ocorreram, primeiro em 2002, no teatro de Drubobskaia, em Moscovo, e depois em 2004, numa escola de Beslam, na Ossétia do Norte. Em ambas as situações, a intervenção das forças militares e paramilitares russas com vista à libertação de reféns levou à morte de algumas centenas de pessoas, entre as quais aproximadamente duzentas crianças, como aconteceu em Beslam. Em qualquer destes casos fornam muitas as acusações dirigidas então ao governo de Moscovo pela sua insensibilidade face aos efeitos secundários da resposta aos terroristas, mas Vladimir Putin acabou por superar esses momentos críticos. É que, na altura, a grande maioria dos russos já nutria por ele uma enorme admiração nascida precisamente da imagem poderosa que ele fabricara. Os países ocidentais, por seu lado, precisavam de estabilidade política na Rússia e esta, aparentemente, só podia ser garantida pelo novo “czar” de Moscovo.
Hoje, já não é a estabilidade da Rússia que preocupa o Ocidente, mas sim os excessos da sua liderança. Seja como for, os resultados eleitorais do passado domingo vieram provar que a maior parte dos russos admira e agradece uma liderança forte, mesmo que esta se faça de alguns excessos.