Desafios

afacom

Por Ernesto Campos

“Só o pobre é pai; cada dia ele volta a criar”

Michelet

O quadro sociopolítico em que vivemos hoje traduz-se em vários desafios; uns a exigirem resposta urgente, outros a precisarem duma estratégia de solução a prazo..,. que seja breve. De momento, a floresta e a prevenção de incêndios mobilizam a ação governativa imediata; e a distribuição dos dinheiros da Europa, menos imediata mas igualmente mobilizadora, porque, enfim, o dinheiro é o sangue das nações, como diziam os antigos economistas, quando se pensava que a nação é assim como um organismo biológico.

Não se mudou muito e o certo é que o dinheiro não chega para tudo nem para todos no paradigma económico vigente: o Estado cobra impostos e redistribui-os em subsídios e bens sociais Que critérios, que desafios, que prioridades?

O discurso político fala de pactos, para a justiça, para a educação, para a saúde e na reforma da segurança social, mas não se ouve falar da natalidade cuja taxa é baixíssima nas portuguesas em idade fértil. Corremos o risco de não substituirmos as gerações: ficam os velhos, cuja longevidade se prolonga – ainda bem – mas não nascem crianças que renovem a pirâmide etária. Fenecemos à míngua de gente. É uma questão estrutural e uma forma de pobreza da sociedade portuguesa, agora e no futuro; e não se resolve com barrigas de aluguer, coisa que supinamente preocupa o poder legislativo. Ouvimos aos casais jovens: “Não temos tempo nem dinheiro para ter filhos”. Inverter esta mentalidade começa na família, na escola, na igreja, mas também em medidas de incentivo social. Se investirmos nisto o dinheiro da Europa, bem se pode dizer que estamos a desenvolver o país, mais do que se o gastarmos em comboios de alta velocidade.

Prioridade é igualmente a de outras formas de pobreza, desde a situação radical de miséria dos que vivem na rua ao abismo da desigualdade social, do desemprego e da precaridade laboral. Um tal panorama afeta dramaticamente quem o sofre mas não é indiferente a quem o  contempla e procura repensar uma sociedade mais justa. Nesse contexto têm sido apresentadas ideias que não são de agora. Falar duma “democracia de proprietários” (Roberto Merril in Revista Portuguesa de Filosofia 72) é repetir a sugestão de Leão XIII na Rerum Novarum (sec. XIX), forma de garantir um “rendimento básico incondicional” por via, não da redistribuição do dinheiro dos impostos, mas de pré-distribuição da riqueza nacional que não deve estar concentrada nas mãos de poucos mas ser participada por todos, segundo o direito ao uso universal dos bens. Vista a ineficácia e injustiça do chamado Estado Social, que afinal, não anula a desigualdade social e acentua a subsídio-dependência, preconiza-se reconhecer a cada cidadão o direito a uma parte da riqueza nacional, desde logo a habitação própria, o acesso à saúde e educação e um rendimento básico incondicional, pela participação na propriedade da riqueza, que dê a cada um perspetivas positivas de vida, condição de liberdade e dignidade.

O fundamento teórico de tudo isto é uma economia ao serviço da pessoa, o conceito de dívida social (Papa Francisco) para com os desfavorecidos, a definição do salário mínimo e máximo e a inversão do paradigma do papel do Estado redistribuidor da receita fiscal substituindo-o pela pré-distribuição da riqueza nacional segundo o princípio do destino universal dos bens. Utopia? Não; referência para esconjurar a economia que mata.