Um povo sem memória…

O Advento é memória do passado: “Jesus veio”. Apelo para o presente: “Revistamo-nos das armas da luz” (2ª leitura do 1º Domingo do Advento). Esperança no futuro: “O Senhor virá”. Assim também a vida é lembrança, vivência e projeto.

Por João Alves Dias

Há dias, recebi uma mensagem que me enterneceu e provocou.

“Veja a quantidade dos nossos ascendentes. Pais – 2; Avós – 4; Bisavós – 8; Trisavós – 16; Tetravós – 32; Pentavós – 64; Hexavós – 128; Heptavós – 256, Octavós – 512; Eneavós – 1024, Decavós – 2048. Num total de 11 gerações, 4094 antepassados… Isto tudo, em, aproximadamente, 300 anos!”

E interpelava-me: “Pare por um instante e pense! De onde vieram? Quantas lutas travaram? Por quanta fome passaram? Por outro lado, quanto amor, alegria e estímulos nos legaram? Quanta força para sobreviver, teve cada um deles para que, hoje, nós estejamos aqui, vivos?” Em síntese, afirmava: “Nós só existimos graças a tudo o que cada um deles passou”. E terminava com um apelo: ”Honre cada um deles! Honre sua vida! E seja grato.”

Parei. E num gesto de gratidão a todos os meus, evoquei os sacrifícios do meu bisavô que está na origem da minha alcunha de família que adotei no “email” e no “blog” – «tanoeiro». Trabalhava numa tanoaria na rua do Sol, no Porto e vivia, com a família, em Campo, Valongo. Saía de casa, alta madrugada de 2ª feira, e regressava na 6ª feira já noite avançada. Percorria cerca de 20 km a pé, com passagem pela serra de Valongo. E ainda aproveitava o fim-de-semana para fazer um caneco que, depois, trazia às costas para vender a quem lho encomendara. Se ficavam a dever e demoravam o pagamento, ele, quando os encontrava, perguntava: – O canequinho veda bem?

E pensei…Quão dolorosos e alongados são os caminhos da vida!…Histórias de família, quem as não tem?

Além da vida, os nossos antepassados também nos transmitiram a cultura que foram adquirindo à medida que se iam humanizando. O Homem é, como diz Edgar Morin, um animal bio-psico-social. Somos uma simbiose de natureza e cultura. A primeira transmite-se pela geração, a segunda, pela educação.

O Papa Francisco disse no encerramento do Sínodo da Amazónia: “A tradição não é um museu de coisas velhas, tem de ser a salvaguarda do futuro”.

Da genética, somos simples transmissores. Já, da cultura, além de produtos também somos produtores.

Sei que já não temos as longas noites de inverno à volta da lareira, mas o tempo do Natal sempre propicia encontros e conversas. Partilhar as histórias da família, é honrar os nossos «Maiores».

Também a Igreja vive da memória. Jesus disse aos discípulos: “Fazei isto em memória de mim.” (Lc, 22,19).

Um povo, uma instituição, uma família, sem memória, é como “uma casa construída sobre areia” (Mt, 7, 24-27).

Reconhecer a história é dignificar o passado, alicerçar o presente e perspetivar o futuro. O devir também depende de nós. Essa a nossa grandeza e o nosso compromisso.