Mensagem (57): Descartável?

A meados de novembro, assinalou-se o Dia Mundial dos Pobres, «criação» do Papa Francisco para espicaçar a nossa consciência individual e coletiva. Porque também se encerrava a Semana dos Seminários, não se lhe concedeu o relevo que merecia. Razão pela qual se insiste neste tema.

Em Portugal, como um pouco por todo o mundo menos desenvolvido, está a aumentar assustadoramente o fosso entre ricos e pobres. Compare-se, por exemplo, a nova classe alta, de profissionais liberais, empresários e gestores, com as famílias que têm de subsistir com um salário mínimo. E pense-se no índice de pobreza, que teima em não descer, se é que, em algumas franjas, não está em crescendo.

O dramático desta situação é que a consciência social fica anestesiada e acha que tudo isto é «natural», como se pensava no século XIX. Agora, com uma agravante: o fator “competitividade”. Em nome desta, há que esmagar os salários, concentrar a produção, recorrer à violência institucional do trabalho contínuo por turnos, etc. E tudo isto sob a «suprema» cobertura da lei.

Se trago este tema à liça, não é para disparar contra nada nem contra ninguém, nem para fazer acusações simplórias. O único objetivo é acautelar: não se pode subverter a responsabilidade social, seja a que pretexto for. Há que pensar mais, muito mais, no pobre!

O pobre não é um descartável, mesmo que a sua pobreza nos envergonhe porque faz baixar a posição nacional nos rankings do desenvolvimento. Nem um «objeto» a ignorar, sob o pretexto de serem merecedores da sua situação porque preguiçosos, inertes, incompetentes, gastadores, maus, etc. Como, infelizmente, já se começa a ouvir.

O cuidar do pobre, de facto, é um dos principais distintivos da atuação da Igreja e chave da vida cristã. Com frequência, está ligada aos melhores filhos da Igreja, os santos, que se dedicaram a esta tarefa e criaram organizações para a desenvolver. Pensemos no nosso P. Américo, dos Gaiatos. E mais: quase sempre antecipam e promovem épocas de renascimento religioso, após algum «inverno da fé». Porque obrigam a Igreja a recentrar-se na sua verdade originária: “Cristo, sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza” (2 Cor 8, 9).

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