Semana dos Seminários 2018 – um texto do Reitor do Seminário Maior do Porto

Decorreu entre 11 e 18 de novembro mais uma semana de oração pelos seminários. A Comissão Episcopal Vocações e Ministérios encarregou a Diocese de Coimbra de preparar os materiais de divulgação da actividade, bem como os subsídios para as comunidades cristãs.

Por Padre José Alfredo

Reitor do Seminário Maior do Porto

O presidente da comissão, D. António Augusto Azevedo, no contexto do último sínodo sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional, sublinhou, na sua mensagem, a coerências entre estes três momentos: o tempo largo de juventude, a adesão livre à fé e o sentido a dar à vida cristã. Parece óbvio para todos que compete aos jovens uma palavra sobre as vocações. Os jovens têm claro que muitas dimensões da organização da Igreja perderem relevância nas suas vidas: a questão litúrgica; o lugar e o papel da hierarquia; o sentido da história da Igreja; a dimensão universal do projecto do Evangelho; o dom da vida celibatária. Como conseguir, então, que os jovens assumam o seu papel criativo e dinamizador na vida das comunidades cristãs? Como fazer para lhes dar voz na hora de decidir as opções pastorais e vocacionais? Os rapazes não gostam que os enviem directamente para os Seminários. As raparigas não entendem muito do dresse code religioso feminino.

Não há verdadeira pastoral vocacional sem uma inserção comunitária autêntica, adulta e amadurecida. Sentir-se chamado por Deus e pela Igreja para um serviço ao povo dos baptizados e dos que em verdade procuram viver justamente é captar a necessidade que a missão da Igreja tem de trabalhadores para o seu campo de acção. É compreender que a história da salvação precisa de recursos humanos bem formados, capazes de se inculturarem, livres de preconceitos e de coisas que atrasem o anúncio do Evangelho.

A pastoral vocacional que se faz entre nós, apesar das múltiplas actividades nacionais e universais, apesar das formações com especialistas, apesar do empenho de bispos, padres e leigos, apesar disso… a nossa pastoral vocacional resulta, muitas vezes, num esforço de chamar mais na ordem do número e da urgência do que, propriamente, na ordem da identidade de cada jovem a quem é dirigido o convite a entregar a sua vida por um projecto global. A pastoral das vocações hoje deve estar orientada para o sentido da missão que hoje é imperioso desenvolver: formar discípulos que sejam missionários, como diz o Papa Francisco na Alegria do Evangelho. Urge tornar a Igreja num movimento de saída ao encontro das muitas periferias existenciais e humanas, quotidianas e degradantes e a precisarem de salvação.

A teologia bíblica da vocação prova-nos que Jesus chamou a cooperar consigo pessoas concretas (Pedro Tiago e João); a partir de uma circunstância concreta (junto ao Mar da Galileia); e enviou-os com uma função concreta (anunciar o Evangelho em todos os lugares e a todas as criaturas). Esta nota de concretização e realismo é fundamental na hora de reassumir o trabalho da pastoral das vocações em ordem à vida dos Seminários e à vida sacerdotal. Também o magistério da Igreja recorda, pelo II Concílio do Vaticano, que os presbíteros devem formar uma ordem (Decreto sobre a vida dos presbíteros, Presbyterorum Ordinis n.º 2), uma verdadeira fraternidade cuja garantia de sustentabilidade é a paternidade do bispo na Igreja local. Tudo muito concreto e definido.

A acção de Deus, convém não menosprezar, acontece sempre, mas se estivermos preparados para ela melhor a acolhemos e aceitamos. O Decreto sobre a formação sacerdotal, Optatam Totius, no n.º 2 manda que as obras das vocações, segundo os documentos pontifícios sobre a matéria, já fundadas ou a fundar no âmbito de cada diocese, região ou nação, actuem metódica e coerentemente e promovam com igual zelo e discrição uma geral acção pastoral para fomentar as vocações, dispondo dos auxílios oportunos que as hodiernas doutrinas psicológicas e sociológicas utilmente oferecem, sem a nenhuns pôr de parte.

A mais grave enfermidade das vocações que chegam aos seminários manifesta-se na redução das mediações a meras subjetividades. Não é de desvalorizar o contexto familiar de um aluno do Seminário; não é de esquecer o ambiente social e cultural da sua comunidade cristã; não é de desmerecer o percurso pessoal de cada um. Ninguém se sente chamado ao seminário para fazer discernimento vocacional, a partir de vários âmbitos de formação e do estudo da teologia, que não deva ser acompanhado e amparado por outros. O que muitas vezes falha no germinar, crescer e desenvolver vocacional é o sentido da gradualidade e a autoconsciência do desenvolvimento integral de quem se sente tocado pelo mistério divino. A autoformação é indispensável, mas só se estiver inserida e enxertada na formação que uma comunidade educativa livre garante e organiza segundo o espírito da Igreja, como lembra a Pastores Dabo Vobis (1992) e mais recentemente a Ratio Fundamentalis (2016). Como, aliás, recorda João Baptista Libanio, SJ, a formação pessoal é uma arte, não um molde que cada um se impõe a si mesmo passivamente. (A arte de formarse, Ediciones Sigueme).

Sem dúvida que são necessárias todas as orações que possamos dirigir a Deus pelo crescimento e fidelidade da vocação, mas sejamos conscientes de que a vocação é um mistério de escuta, de escolha, de abandono e de formação. Escuta, pois Deus vive na história e no coração dos homens e das mulheres do nosso tempo. Não cessa de nos interpelar e de questionar as nossas opções, não raras vezes egoístas. Escolha, porque quem chega ao seminário deve sentir que a sua vida foi tocada pela graça de Deus: uma vida oferecida e que é reclamada para ser entregue por muitos (Amedeo Cencini). Abandono de todas as seguranças humanas a que alguém se possa sentir atraído: bens, sensualidade, prestígio, méritos e prémios. Formação, porque ninguém chega a entregar a própria vida se não passar por um processo de desconstrução e reconstrução de mentalidade e expectativas onde o outro tenha um lugar central.

Durante a expansão do império nazi, Dietrich Bonhoeffer organizou um pequeno seminário luterano com vista a formar bons evangelizadores que pudessem, com ele e como ele, combater o bom combate da fé que representava a resistência e a oposição a Hitler. Experiência que foi mandada encerrar pelo poder político da Alemanha nacionalista. Das múltiplas intervenções desse período resultou uma pequena obra, Vida em Comunidade, que é uma pequena joia da literatura cristã e onde se espelha a beleza da vida comum. Atrevo-me a dizer que o nosso tempo, totalitário e com esperanças de messias terrenos, também tem contribuído para o encerramento dos espaços de seminário reduzindo-os a resquícios do que foram e do que devem ser: casa de formação humana e sacerdotal. No contacto com inúmeros padres sempre me espanta o reconhecimento profundo aos seminários diocesanos e ao que deles receberam. Muitos o demonstram com atenções e generosidade suficientes para continuar a acreditar no trabalho que realizamos e fazemos: criar uma cultura vocacional na Igreja e na sociedade em geral; despertar o sentido da entrega e do serviço evangélico; fazer sentir a quem é chamado à vida sacerdotal que é acolhido, motivado e acompanhado no próprio crescimento.