O Acolitado entre os Ministérios Laicais

Por S.D.L.

À medida que os anos vão passando, vai emergindo a grandeza de Paulo VI, o grande Papa do Concílio, do diálogo com o homem contemporâneo e da renovação pastoral da Igreja em ordem a um novo impulso evangelizador. A sua Carta Apostólica Ministeria Quaedam, publicada em forma de motu proprio a 15 de agosto de 1972, representa um marco miliar no magistério da Igreja sobre os ministérios, com relevo para o acolitado. É, sem dúvida, redutor ver nesse documento uma mera reformulação dos requesitos impostos aos candidatos à ordenação sacramental. Nem se tratou de um exercício de nominalismo estéril e estático como se tudo se resumisse numa mudança de nomenclaturas: chamar «ministério instituído» ao que dantes se chamava «ordem menor» na «carreira» a percorrer em vista à receção do sacramento da Ordem; nada teria mudado na essência. Longe disso!

Na base desta reforma de Paulo VI está, de forma explícita, o aprofundamento da distinção entre sacerdócio ministerial e sacerdócio comum, na linha do ensinamento da Constituição sobre a Igreja Lumen Gentium 10 (citado expressamente). Trata-se de evidenciar «a distinção entre clérigos e leigos e entre aquilo que é próprio e reservado aos clérigos e aquilo que pode ser confiado aos fiéis leigos». Por isso não se pode continuar a falar em «ordens» mas em «ministérios» que são conferidos por um rito de «instituição» e não de «ordenação». O acolitado é um serviço de natureza laical, a situar no âmbito do exercício do sacerdócio comum dos fiéis, como expressão daquela «participação plena, consciente e ativa nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia reclama e que, por força do Batismo, constitui direito e dever do povo cristão» (SC 14, citado por Paulo VI).

Esta é uma consideração que se impõe a partir da história da Igreja que desde «tempos antiquíssimos» confiou aos fiéis as funções que configuram o ministério dos acólitos. O facto de, historicamente, se ter assistido à clericalização desse ministério, não anula a sua identidade laical originária que Paulo VI se propõe recuperar. Na norma III, Papa Montini é explícito: «Os ministérios podem ser confiados aos fiéis leigos, pelo que já não devem ser tidos como reservados aos candidatos ao sacramento da Ordem».

Compreende-se que, em 1972, não se tenham tirado todas as implicações do princípio da laicidade e que, na norma VII, Ministeria Quaedam tenha mantido a reserva aos fiéis sexo masculino da instituição nos ministérios. Depois, veio a promulgação do novo Código de Direito Canónico (1983) que, neste ponto, não acompanhou o impulso paulino. No Sínodo dos Bispos sobre os leigos foi feita a promessa – não cumprida – de rever essa restrição (João Paulo II, Ex. Apost. pós sinodal Christifideles laici, 30 de dez. 1988, n. 23). João Paulo II, aliás, reafirmará a perspetiva original de Paulo VI: «Esperando que a Comissão conclua o seu estudo, para que a praxe eclesial dos ministérios confiados aos fiéis leigos resulte ordenada e frutuosa, deverão ser fielmente respeitados por todas as Igrejas particulares os princípios teológicos atrás recordados, em particular a diversidade essencial entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum e, consequentemente, a diversidade entre os ministérios derivados do Sacramento da Ordem e os ministérios derivados dos sacramentos do Baptismo e da Confirmação» (Ibid.).

O entrave canónico que exclui os fiéis do sexo feminino da instituição nos ministérios laicais ainda não foi removido. Principalmente por esse motivo, as Igrejas Particulares têm-se inibido de uma aplicação mais ampla da Ministeria Quaedam do grande Paulo VI. Mas a consciência laical não deixou de crescer, como testemunhava João Paulo II em 1988: «Na sequência da renovação litúrgica promovida pelo Concílio, os próprios fiéis leigos, tomando mais viva consciência das tarefas que lhes pertencem na assembleia litúrgica e na sua preparação, tornaram-se largamente disponíveis no seu desempenho: a celebração litúrgica, com efeito, é uma acção sagrada, não só do clero, mas de toda a assembleia. É, portanto, natural que as tarefas que não são exclusivas dos ministros ordenados, sejam desempenhadas pelos fiéis leigos» (Ibid.). Quando se fecha uma porta, abre-se uma janela… A porta fechada no §1 do cân. 230 em relação aos ministérios instituídos é aberta nos § 2 e 3 do mesmo cân. em relação a ministérios «por encargo temporário» ou de facto. Por essa janela tem entrado uma efetiva ministerialidade litúrgica laical que dá vida às nossas celebrações, sem discriminações nem exclusões injustificadas.